domingo, 31 de outubro de 2010

Expectativas

Abomino expectativas porque falseiam a realidade. O sofrimento acaba por se sobrepor ao prazer e, no fim, fica a desilusão.

Perspectivas


Relacionar tempo e felicidade é uma idiotice. Aliás, ligar tempo a qualquer outra coisa é uma idiotice. Por exemplo, foi numa das dinastias mais curtas que se fizeram as obras mais representativas da civilização chinesa. Mas, recuando ainda mais no tempo, é de invejar o homem das cavernas, porque esse desconhecia o tempo. E voltando de novo aos chineses, é de compreender que o imperador tenha mandado executar aquele que disse ter inventado o relógio. Nem é de compreender, é de amar. Fascina-me não a violência do acto, mas a ausência de tempo. O mesmo se passa na língua, há uma falta de futuro, de conjugação, há um quase-futuro que não chega a ser, está subentendido, está limitado a uma partícula. Sem tempo não há futuro, não há perspectiva, há uma linha recta, uma linha contínua. Não há inquietação. 
Já tudo foi descoberto, muita coisa foi criada, gosto de acreditar que tudo ainda está por inventar e que nada está escrito afinal. As perspectivas ingénuas foram sempre melhores. Não sou o homem das cavernas, não mandei matar o tempo, não sou um animal triste numa selva cinzenta, só não gostei de ver tempo e felicidade juntos. 

Dilema nocturno #4

Aborreço-me facilmente. Não tenho paciência para tretas, por isso passo a vida a assobiar para o lado. Admito que gosto que me façam cocegas ao ego. Mas entre o aborrecer-me e o assobiar há uma preguiça imensa. 


Há dois dias atrás dormi oito horas. Não me senti feliz. Não estou menos cansada. Fiz uma composição em mandarim. Tenho dois livros novos para ler. Um deles é o À Sombra das Raparigas em Flor de Proust, vou, portanto, no segundo volume de Em Busca do Tempo Perdido. O outro é do Ruy Belo.
Devia estudar japonês. Mas, para além de me aborrecer fico ansiosa e apetece-me ler ou ver filmes. É quando penso no meu professor que é um mimo e que diz "o deleite intelectual não é tudo na vida" ou "é uma ternura um livro daqueles", e o senhor, contrariando-se, convence-me que é melhor ler o livro.

Isto não é um diário.

Boa noite.

Vou pensar nisto:
"Poder-se-á dizer que certa influência é nociva só porque nos rebelamos contra ela?" -Pergunta Ruy Belo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Assobio

 O traje, o ar adulto, a certeza, os números, não são meus. Os dias sim. Mas não o 22. Agora, agradeço que não me felicitem por não saber quem sou. A vida ainda é como um vestido que não me serve, e, os dias, como o outro dizia, ainda são meus.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A mensagem do pássaro-extra-programa

(...)
Agora somos pequenos e inúmeros e percorremos o espaço com gangrenas nas mãos
e intentamos chamadas telefónicas
e marcamos de novo e desligamos depressa
e tu pões a écharpe sobre os ombros
e eu visto o meu casaco e saímos de vez
porque nós somos a multidão a que eu chamo
o homem e a mulher de todos os tempos áridos
e como sempre não há lugar para nós nesta cidade
esta ou outra qualquer que de perto ou de longe a esta se pareça


(Mário Cesariny de Vasconcelos, Pena Capital)

No aqueduto largo do meu peito não há sossego. Convenhamos que devido à miséria deste tempo e à ensombração maligna de certas lágrimas nocturnas. Fico irrequieta. E não durmo.



Mais logo

                                    hei-de estar cansada
                                                                                              de todas as palavras

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O Valor do Vento



Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

Ruy Belo





terça-feira, 19 de outubro de 2010

Propósito obscuro

(...)


Esta é a pressão de uma mão tímida, este é o aroma dos cabelos que esvoaçam,
Este é o roçar dos meus lábios nos teus, este é o murmúrio do desejo,
Esta é a profundeza e a altura distantes reflectindo o meu próprio rosto,
Esta é a meditativa fusão de mim próprio, e a saída outra vez.

Achas que tenho algum propósito obscuro?
Sim, tenho, como o têm as chuvas do quarto mês, e o tem a mica sobre as rochas.



(Walt Whitman, tradução de José Agostinho Baptista, Canto de mim mesmo)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Balthazar deita-se e morre


(Au Hasard Balthazar, Robert Bresson, 1966)

Um jardim

Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensombram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho.


Safo

(Da Hélade, Antologia de Cultura Grega, por Maria Helena da Rocha Pereira)

Livro que surripiei à minha irmã, por ter os mesmos cinco livros há duas semanas. Por me lembrar que não posso estudar tudo,e, que o domingo não foi Domingo, porque esses são raros. Porque escrevo às duas da manhã, porque estou em desassossego, porque estou cansada, porque...
....acabou-se o chá!



Amanhã

mais.

sábado, 16 de outubro de 2010

E também se pode morrer de falta de amor. Não?

MGM    A pergunta era: Porquê a necessidade do outro?

MC    Eu sei lá, pergunta ao Jeová.
Não fui eu que criei essa necessidade.
Eu acho que em muitos casos, o outro é o nosso espelho, sem esse espelho não nos vemos. Não existimos. É claro que podes dizer que isto é um bocado abusivo, que eu no espelho não vejo senão a mim, mas não é isso. Eu no espelho ou vejo os dois ou vejo o outro, através de mim. E os seres habituais têm necessidade desse encontro, que não é um espelho mudo, etc. 
Não é o Narciso, que esse quer ver-se a si próprio, não! É o que olha para a água e olha para o espelho e vê o outro, ou a outra, com quem pode conversar, viver. 
Isto é um bocadinho estúpido também, mas é da sabedoria antiga. (ri)

MGM   O Mário acredita que se pode morrer de amor?

MC    Até os animais. E talvez sobretudo os animais. Porque talvez não tenham inteligência suficiente para compensar, ir ao cinema para distrair. Mas eu acho que sim, que se pode morrer de amor.
Quer dizer, pronto, dá uma constipação, dá uma coisa qualquer, o senhor morre. O Ernesto Sampaio é um caso desses, quando morreu a Fernanda ele não sabia viver, não sabia. Ele escreveu um livro chamado Fernanda, que eu se fosse a ele nem publicava aquilo, porque é um grito tão horrível, tão forte, que a chamada literatura não aguenta aquilo. Não aguenta!
Não sei se conheces esse livro, é um poema, é uma COISA!
Depois morreu, pronto. Não sabia viver sem a Fernanda, é um caso palpável.
E também se pode morrer de falta de amor. Não?

(Mário Cesariny, Verso de Autografia)


Boa noite.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Proeza



Marta tenta comunicar com o rebanho por telepatia apática.


                                                                                                   -Falha


                                                   Assobia para o lado-

O desassossego está em digressão

Sexta-feira à noite e custa 6 euros.



E agora estou num tédio semi-profundo e logo não vou dar especial atenção àquilo. É provável que não seja grande coisa e, na dúvida, gosto mais do meu dinheiro.

Dilema nocturno #3


Mesmo
uma linha
recta
é o labirinto
porque
entre
cada dois pontos
está o infinito

(Adília Lopes, Caras Baratas)

Querida Adília, obrigada por complicares. Sabes que sou feliz porque sou inteligente, portanto, não há problema.

Dilema nocturno #2

As pessoas gostam de gostar daquilo que os outros gostam. Depois gostam todos uns dos outros, e está feito o rebanho.
Concluindo, é difícil relacionares-te com o rebanho, a empatia nunca chega para todos.

Dilema nocturno #1

Tenho sono mas não me apetece ir dormir.

Dada a falta de livros, vou ver um filme.





É isso.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sobre o rapaz raro




Preciso que
me reconheçam
que me digam Olá
e Bom dia
mais que de espelhos
preciso dos outros
para saber
que eu sou eu


( Adília Lopes, Caras Baratas)


E afinal eu era cândida, por achar que isto me definia, por achar que tu eras o rapaz raro e estranho. E disse-te "não que um poema defina quem quer que seja". Não me ouviste. Gostaste mais das minhas palavras do que de mim.
Fui Pateta, patética, peripatética e acordei mais melancólica que fleumática. Já não és raro, és estranho.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Casa Ocupada

Continuando o piquenique mental, agora dedicado à música dos Linda Martini que ao que parece têm um novo trabalho de seu nome "Casa Ocupada". Fica a músiquinha fresquinha "Mulher-a-dias".



É escusado dizer que sou apaixonada pelo Olhos de Mongol.

Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto, sem jamais perderem o fio de linho da palavra

O Minotauro

Em Creta
Onde o Minotauro reina
Banhei-me no mar

Há uma rápida dança que se dança em frente de um toiro
Na antiquíssima juventude do dia

Nenhuma droga me embriagou me escondeu me protegeu
Só bebi retsina tendo derramado na terra a parte que pertence aos deuses

De Creta
Enfeitei-me de flores e mastiguei o amargo vivo das ervas
Para inteiramente acordada comungar a terra
De Creta
Beijei o chão como Ulisses
Caminhei na luz nua

Devastada era eu própria como a cidade em ruína
Que ninguém reconstruiu
Mas no sol dos meus pátios vazios
A fúria reina intacta
E penetra comigo no interior do mar
Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos
E reconhecem o abismo pedra a pedra anémona a anémona flor a flor

E o mar de Creta por dentro é todo azul
Oferenda incrível de primordial alegria
Onde o sombrio Minotauro navega

Pinturas ondas colunas e planícies
Em Creta
Inteiramente acordada atravessei o dia
E caminhei no interior dos palácios veementes e vermelhos
palácios sucessivos e roucos
Onde se ergue o respirar da sussurrada treva
E nos fitam pupilas semi-azuis de penumbra e terror
Imanentes ao dia –
Caminhei no palácio dual de combate e confronto
Onde o Príncipe dos Lírios ergue os seus gestos matinais

Nenhuma droga me embriagou me escondeu me protegeu
O Dionysos que dança comigo na vaga não se vende em nenhum mercado negro

Mas cresce como flor daqueles cujo ser
Sem cessar se busca e se perde e se desune e se reúne
E esta é a dança do ser

Em Creta
Os muros de tijolo da cidade minoica
São feitos com barro amassado com algas
E quando me virei para trás da minha sombra
Vi que era azul o sol que tocava o meu ombro

Em Creta onde o Minotauro reina atravessei e vaga
De olhos abertos inteiramente acordada
Sem drogas e sem filtro
Só vinho bebido em frente da solenidade das coisas –
Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto,
Sem jamais perderem o fio de linho da palavra

(Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Obra Poética III)

Como não amar Pasolini?

Revi La Rabbia. É um grito. Sim, um grito. É poético e tira-me o ar sempre que o vejo.


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Navegações

Difícil é saber de frente a tua morte
E não te esperar nunca mais nos espelhos da bruma

(Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética III)
Concluída a leitura de Introdução à Linguística Teórica percebi que não quero, definitivamente, estudar linguística. Não gosto. Ponto final.

Proust era um neurocientista

O cérebro é o maior nó do universo. Cada um dos neurónios do cérebro está ligado a milhares de outros neurónios. A consciência deduz o seu poder desta conectividade recursiva. Ao fim e ao cabo, o Eu não emerge de uma fase cartesiana discreta, mas das interacções do cérebro como um todo. Como escreveu [Virginia]Woolf, “a vida não é uma série de lanternas de um coche dispostas simetricamente; a vida é uma auréola luminosa”. Qualquer redução da consciência a um correlativo neural singular-”uma lanterna de um coche”- é por definição uma abstracção.

(Jonah Lehrer, Proust era um neurocientista)

Isto lembra-me o teu paralelismo idiota entre poesia e matemática. Lembra-me o meu Eu dilacerado e, por fim, lembra-me que te desgosto.

Vou tomar um chá e dar continuidade à minha insónia.



sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Liberdade à chinês


É viver à capitalista e depois esconder umas coisinhas ou pessoas aqui e acolá. 

É pesquisar no Baidu por 刘小波 e 诺贝尔奖 和平奖 e aparecer 搜索结果可能不符合相关法律法规和政策,未予显示。 . Presumo que é de facto um problema falar de Liu XiaoBo. 

Shiuuuuuuuuuuuuuuuuuu! 

Não falem nele, nem no Nobel da Paz, SHIU! que é proibido por lei. Fala só por códigos. Ou então, tu sabes, não fales, pensa.

Raios!! Isto incomoda-me à séria.




terça-feira, 5 de outubro de 2010

Autografia

(Autografia,  Miguel Gonçalves Mendes)




Gosto do livro.
Amo o poema.
Amo ainda mais o poeta.

Não gosto do filme/documentário (digo, a organização do conteúdo propriamente dito e outros detalhes), mas gosto de ouvir o senhor poeta falar.

Sim, é um grito.
Sim, os poetas fazem miau.

Sabe que, mesmo parado, mesmo não sendo Rimbaud, mesmo tendo o fogo ardido. Mesmo sendo um fantasma coberto de cinzas. Mesmo não tendo já iluminações. Eu acho que ainda pode voar.

Ouvi-lo é já em si poesia.
E acredite, teria o mundo toda a quem escrever.
E eu, não teria jamais a saudade infinita que hoje sinto. Teria, de bom gosto, ido viver consigo e com a Henriette. Que prazer maior se poderia ter nesta vida que não esse?

Há quem me julgue louca. Alguns terão razão, é certo.
Mas loucura maior foi vê-lo perdido neste país-menino, neste país-vazio, neste país sem bondade nem bruma.


Respirar-te

As criaturas como tu foram feitas do avesso.
És o teu lado B e vives, e caminhas, como se estivesses no lado A.

Tu não habitas o meu mundo.
Tu não és um universo.
O teu núcleo é feito de mentiras.
E por fora não brilhas.

Tens uma cratera no lugar do coração.

E cercaste-me de sombra, dia e noite, aqui
e no espelho.
És veneno.
VENENO PURO!!

Assassino. morte lenta.

custa-me respirar-te
quando surges assim
                                                              inesperadamente.

A anémona-menina



Ainda pateta, patética e peripatética.

No fundo eu sou uma Tangerina. Ou então, sou uma Tangerina-anémona-menina.

Não me apetece ter de escolher entre o Al Berto e o Cesariny, não e não. Afinal, o equinócio é para sempre.

Pode dizer-se que isto foi um começo.