domingo, 28 de outubro de 2012

He said



"I miss the times without elevators".


Se souberes o que ele disse depois vais perceber que esta frase é bela.

domingo, 21 de outubro de 2012

Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança

Há um ano e meio, antes de vir para a China, surripiei dois livros de Manuel António Pina - Os Livros e Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança - da biblioteca da universidade. Um empréstimo vitalício, digo, que surripiar soa mal. É da Assírio, gosto sempre dos livros da Assírio. O mesmo fiz com Verso de Autografia. Tinha medo que quando voltasse não encontrasse estes livros e, afinal, poucos são os que requisitam livros na biblioteca de letras. Tantos, mas tantos livros ao abandono. E tanto foi o tempo que esperei pelos livros de Rilke - ainda espero - que me pareceu bem trazê-los comigo. Devo ter lido e relido pelo menos dez vezes estes dois livros, são poucos os livros em português na China, encontrei um sobre Giotto, ao acaso, custou-me pouco mais de três euros. Às vezes escrevo alguns dos seus versos no meu diário porque, como disse, são poucos os livros em português. Em Agosto escrevi aquela longa história que vem pouco depois de "Em prosa provalmente", e lembro-me das palavras do poeta, que sempre falou dos seus gatos, mas que desta vez contava a história do cão que fora enforcado pelo seu vizinho. Estava à beira do rio, sózinha desta vez. Ele estava quase a ir embora. Vou sempre ao rio ou ao parque quando quero pensar. Custou-me ler aquelas palavras, aqueles dois livros. Sabes que o inglês e o chinês me são artificias. Agora é Outubro, é o dia do meu aniversário, um ano passou desde que aqui estou, mudei de casa três vezes e não trouxe os livros comigo. Li sobre a morte do poeta. Recebi uma mensagem de parabéns da mãe. Está frio em Pequim. Um ano, um mês e vinte e dois dias sem ir a casa. Acho que ela tem saudades de mim. Às vezes sinto-me culpada por ficar aqui. Mas tenho de esperar por ele um ano. Ou três. Parece sempre que as pessoas só se lembram dos poetas quando eles morrem, não é? 

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Origem dos sonhos esquecidos

Entre a bicicleta e a laranja
vai a distância de uma camisa branca

Entre o pássaro e a bandeira
vai a distância dum relógio solar

Entre a janela e o canto do lobo
vai a distância dum lago desesperado

Entre mim e a bola de bilhar
vai a distância dum sexo fulgurante

Qualquer pedaço de floresta ou tempestade
pode ser a distância
entre os teus braços fechados em si mesmos
e a noite encontrada para além do grito das panteras

qualquer grito de pantera
pode ser a distância
entre os teus passos
e o caminho em que eles se desfazem lentamente

Qualquer caminho
pode ser a distância
entre tu e eu

Qualquer distância
entre tu e eu
é a única e magnífica existência
do nosso amor que se devora sorrindo

(Mário Henrique Leiria, A Única Real Tradição Viva)

A strange kind of love



                   

A strange kind of love
A strange kind of feeling
Swims through your eyes
And like the doors
To a wide vast dominion
They open to your prise
This is no terror ground
Or place for the rage
No broken hearts
White wash lies
Just a taste for the truth
Perfect taste choice and meaning
A look into your eyes

Blind to the gemstone alone
A smile from a frown circles round
Should he stay or should he go
Let him shout a rage so strong
A rage that knows no right or wrong
And take a little piece of you

There is no middle ground
Or that's how it seems
For us to walk or to take
Instead we tumble down
Either side left or right
To love or to hate

(Peter Murphy, A Strange Kind Of Love)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Language is a virus from outer space

                               

Seria o Amor Português



Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
...
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?

(Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular)

Como é que se espera mais de dois anos por ti, num lugar estranho, e sem te perder?