quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dia de todos os demónios I





Sempre soube muito de muita coisa, sem saber nada de mim. Nunca me quis adulta, nunca me quis triste, nunca me quis cansada. E ser adulto é ser isso tudo. Anda. Anda comigo, vamos regressar doze anos atrás no tempo. Vamos pegar na mão do pai enfermo, perto do leito da morte. Vamos, pega-lhe a mão, mente e sê adulto. Sê criança e forte. Sê adulto e criança. Vamos. Quero-te forte. Forte só porque sim, porque se não o fores, também ele não o é. Vamos. Arrasta-te no tempo, arrasta-te cinco anos de fingimento. Nada te dói. És tão sublime, és tão indolor. Estás tão afastado de tudo e de todos. Silêncio. Há um silêncio gigante. Cinco anos, passaram cinco anos. Hemorragia, ele teve uma forte hemorragia. Não morreu, mas também não está vivo. A casa enche-se de sangue. Toda a gente saiu à pressa. Ficaste sozinha. Tens quase 14 anos e és um máquina. Indolor, como sempre. Humana, como nunca. Limpas a casa, limpas o sangue. Agora avança, avança até ao presente. Até essa mascara que não cai. Porque os rostos que tinhas, estão gastos, sujos. És adulta, adulta e não sabes fingir. És essa coisa, essa coisa cansada. E queres que te percebam, porque a melancolia vem sempre acompanhada de solidão. Doze anos. Como é que passaram doze anos e cresceste? Como é que que não tiveste tempo de crescer, se foste sempre adulta. Como é que foste sempre isso. Essa coisa. Essa máquina? E sabes, sabes muito de muita coisa. E não sabes nada de ti. És estranha. É isso. Queria definir-te, mas não posso, não consigo. Estás  presa ao maldito passado, aos malditos fantasmas. E questionam-te e tiram-te o chão. E é injusto. É injusto porque não sabes. E as pessoas não aceitam que não saibas. E não, não sabes. És mera (des)ilusão.

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