sábado, 11 de junho de 2011

Realidade-personagem


Inverno 41 - 42


Nunca estamos completamente sós no mundo. Na pior das hipóteses, tem-se sempre a companhia de um rapaz, de um adolescente e, pouco a pouco, de um homem feito - daquele que fomos.

Não é que, no nosso tempo, o representante da cultura seja menos escutado do que no passado o eram o teólogo, o artista, o sábio, o filósofo, etc. É que, actualmente, tem-se consciência da massa que vive de mera propaganda. Também no passado, as massas viviam de má propaganda, mas, então, sendo a cultura elementar menos difundida, essa massa não imitava as pessoas verdadeiramente cultas e, portanto, não fazia surgir o problema de saber se estava mais ou menos em concorrência com essas pessoas cultas.

Os ambientes não devem ser descritos, mas vividos através dos sentidos da personagem - e, por conseguinte, do seu pensamento e do seu falar.
O que te desagrada como impressionismo, torna-se, assim - bedingt a partir da personagem -, vida em acção. Eis a norma que, no fundo, já procuravas no Ofício de Poeta. Que outra coisa é a narrativa do contar de Andersen, o monólogo interior de Joyce, etc., senão fazer com que a realidade-personagem se sobreponha à objectividade?

Quando uma mulher casa, pertence a outro; e quando pertence a outro, nada mais há a dizer-lhe.



(Cesare Pavese, O Ofício de Viver)

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