terça-feira, 16 de novembro de 2010

Encontro

Um ser que estuda tem obrigações e, por mais que se desgoste de ouvir o monólogo interior exteriorizado de alguém, nem sempre se desgosta de tudo. E eu gostei de encontrar isto nas minhas leituras inevitáveis.

(Cherry Blossoms in Mint Office at Osaka. Kobe, 20 de Abril de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.)


Encontro - o começo da separação.

(...) 
Deve entender-se que o provérbio visa muito especialmente o encontro entre dois indivíduos dos dois sexos, isto é, o encontro amoroso, o amor, que é a paixão no seu estado mais intenso, paixão, a grande força emotiva que electriza uma grande parte da família humana, estonteando-a, cegando-a à razão, ao cumprimento de seus deveres, arrastando-a tantas vezes a todas as ignomínias e finalmente à perdição!... E para quê? Prazeres momentâneos, ilusões passageiras, de mistura com muitas contrariedades, com muitas desilusões, com muitas angústias; caminhando tragicamente para a separação, para a ruptura, seja pela saciedade dos desejos, seja pela fricção de dois temperamentos diferentes e incompatíveis entre si, seja pelos obstáculos que se levantam de surpresa, seja por qualquer de outras mil causas imprevistas... E quando assim não aconteça, quando Ele e Ela gozam o raro privilégio de saberem furtar-se às tempestades da existência, guiando imperturbavelmente a gôndola de seus amores por aprazíveis calmarias, virá um dia a morte, a que ninguém resiste, pôr termo ao idílio, decretar a separação, a ruptura, roubando a um o ente querido... E dirá o sacerdote budista ao crente, que o escuta: - «Queres evitar a separação? Há um meio seguro: evita o encontro.»
E eu direi ao sacerdote budista: - «Bonzo, tu tens razão, sem dúvida. Prega desafogadamente essa doutrina e aumenta a legião dos bem-aventurados. Mas eu rejeito-a para meu uso, tenha embora de sofrer todos os suplícios do inferno do Budismo, os quais sei, por pinturas que por vezes relanceei, serem atrozes. Eu amei, amei muito; e só me pesa não ter amado mais. Eu aprendi a amar, nem tu podes supor como: - quando encontrei um dia, há muito tempo, duas borboletas bailando uma com a outra, beijando-se ao mesmo tempo, sobre as florescências perfumadas de um vegel; - e, em assuntos de amor, eu creio mais nas borboletas do que em Buda.... Vais falar-me, talvez, de separação, de ruptura. Conheço as punhaladas da separação, da ruptura; conheço-as e ainda hoje o coração me sangra delas. Quisera ter dado outro desfecho a estes tristes lances; foi-me impossível. Mas não me lamento, não; mas não me arrependo, não. Amei, sofri, sofro; tudo acabou; tudo não, resta a saudade, que é ainda um dos aspectos fulgurantes do amor. E antes que tu, ó bonzo, ungindo de irónica piedade, venhas sorrir com amargor em face da minha desventura impenitente, quero bradar-te ainda as minhas ultimas palavras sobre este assunto interessante: - tu sabes muitas coisas, certamente; mas ignoras uma pelo menos, O GRANDE PRAZER DO SOFRIMENTO!...

Tokushima, Janeiro de 1920

(Wenceslau de Moraes, Ó-Yoné e Ko-Haru)





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