terça-feira, 16 de novembro de 2010

Seja como for ele já estava avariado

Sobre o lado esquerdo


De vez em quando a insónia vibra com a
nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas
uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas
da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme
pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo
e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».



(Carlos de Oliveira, Sobre o lado esquerdo)


Vá-se lá saber como é que isto surgiu assim, tão inesperadamente, e em dois sítios quase ao mesmo tempo. Há um dia de diferença, e o meu vem depois. Não gosto que venha depois. Quanto ao coração, é o que o título diz, está avariado, do lado esquerdo e do lado direito, e pesa tanto como sempre. Pesa em quantidades elevadas de tristeza e de saudade. Porque uma não existe sem a outra. Lembras-te da Menina do Mar? Se não, então lembra-te de mim, da anémona-tangerina-menina, porque eu sei que lá dizia que a saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora. Sabes que viver aqui, em Portugal, é viver no Reino da Saudade e da Tristeza. E há pessoas com "quartos da felicidade", imagina uma biblioteca privada, como a do quadro. Isso pode ser um quarto da felicidade. Depois há os outros, para cantar, dançar, sorrir. Quartos escondidos, daqueles que pouca gente tem e quase ninguém conheçe. E quem não os conheçe, ou então se perdeu deles, fica nesta solidão disfarçada de tristeza e saudade. A vida esgota-se e o sono também. É-se louco e triste, não se é belo, e há só um enorme desamor nesta coisa avariada. Que como os gatos, perde vidas, perde-as em suspiros e lágrimas, perde-as para a melancolia. Perde-as para a saudade daquele que nos fere a memória com a sua ausência. Porque o silêncio e o amor são tão mortais como o sofrimento.  

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