quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A imagem de um homem

(...) o mais belo monumento continua a ser o próprio retrato do homem. Ele dá, melhor do que qualquer outra coisa, uma ideia daquilo que ele foi: é o melhor texto, que se presta tanto para muitas, como para poucas notas. Só que teria de ser feito também na sua melhor idade, o que vulgarmente se negligencia. Ninguém pensa em conservar formas vivas e, quando tal sucede, é sempre de forma insatisfatória. Apressam-se, então, a tirar os moldes de um morto, coloca-se esta máscara sobre um bloco e a isso chama-se um busto. Como é raro um artista ser capaz de lhe restituir por completo a vida! 
– Talvez sem saber e sem querer – respondeu Charlotte –, haveis encaminhado esta conversa em meu favor. A imagem de um homem é, no fundo, completamente autónoma; onde quer que ela se encontre, existe por si própria, e não vamos exigir dela que assinale, de facto, o local da sepultura. Mas quereis que vos confesse um sentimento estranho? Até mesmo contra os retratos tenho uma espécie de aversão, pois eles parecem fazer-me sempre uma censura silenciosa: apontam para algo de longínquo, algo que deixou de existir e lembram-me como é difícil honrar devidamente o presente. Se pensarmos na quantidade de pessoas que vimos e conhecemos, e se confessarmos a nós próprios como significámos pouco para elas, como elas significaram pouco para nós – como não nos sentiremos? Encontramos o homem de espírito sem conversarmos com ele, o homem de saber sem aprendermos com ele, o homem viajado sem ouvirmos o que ele nos tem a dizer, o homem sensível sem lhe demonstrarmos o nosso agrado. (...) 
Ouvi perguntar porque razão se diz tanto bem dos mortos, sem quaisquer reservas, e dos vivos, sempre com uma certa prudência. A resposta foi: porque dos primeiros nada temos a temer, enquanto estes últimos podem, em qualquer parte, atravessar-se ainda no nosso caminho. Tão impura é a nossa preocupação com a memória dos outros; não passa, em geral, de um divertimento egoísta, embora devesse ser uma preocupação sagrada e séria o manter viva e activa a nossa relação com os que restam.


(J.W. Goethe, As Afinidades Electivas)




Ser má pessoa não me permite manter viva e activa a relação que tenho com os outros. Os outros, que são restos. Que sabem a restos. E soam a restos.

                                   Não gosto de restos.  Nem de conjuntivites que só tornam as coisas mais vermelhas e acentuam o meu ar miserável.


  

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