À memória de Roger Bonon,
morto em Maio de 1940 (mar do Norte)
Essa mulher à margem da afluência da rua segurava o filho nos braços como um vulcão meio extinto segura a sua cratera. As palavras que ela lhe confiava percorriam lentamente a sua cabeça antes de perfurarem a letargia da sua boca. Daqueles dois seres, sendo que um pouco menos pesava do que o casulo de uma estrela, emanava um obscuro esgotamento que em breve haveria de relaxar-se e deslizar na dissolução desse precoce final dos miseráveis.
Rente ao chão, a noite insinuava-se ligeira na carne titubeante de amos. A seus olhos, os mundos já não se afrontavam, se é que alguma vez o tinham feito.
Nessa mulher ainda jovem devia um homem enraizar-se, mas este permanecia invisível como se o horror, não podendo mais, aí se tivesse quedado.
O ardor egoísta, privilégio dos idiotas e dos tiranos, passeando-se constantemente pelas mesmas zonas iluminadas do seu bairro, é um apostema; a vulnerabilidade que ousa descobrir-se envolve-nos intimamente.
Vislumbro o dia em que alguns homens, que não se julgarão generosos e absolvidos, visto que terão conseguido expulsar o desânimo e a submissão ao mal do trato com os seus semelhantes, ao mesmo tempo que terão atacado e dominado as forças de chantagem que de todas as partes os reclamavam, vislumbro o dia em que alguns homens empreenderão sem astúcia a viagem da energia do universo. E, como a fragilidade e a inquietude de alimentam de poesia, será exigido no regresso a esses altos viajantes que se dignem lembrar-se.
(René Char, Furor e Mistério, Margarida Vale de Gato (trad.))
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