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terça-feira, 12 de julho de 2011

A Morte de Empédocles

Ó coração que tudo sacrifica! E este entrega
Por amor a mim a dourada juventude!
E eu? Ó Terra e Céu! Olha! Ainda
Estás perto, enquanto a hora escoa,
E para mim floresces, ó alegria dos meus olhos.
Ainda tudo é como dantes, tomo-te nos braços
Como se fosses meu, a minha presa,
E de novo me seduz o sonho encantador.
Sim, magnífico seria entrar na chama do túmulo
De braço dado e não como um solitário
Formando um par festivo no final do dia;
E de bom grado levaria comigo, como um nobre rio
Todas as suas fontes, em libação à noite sagrada,
O que aqui amei.

(Friedrich Holderlin, A Morte de Empédocles, Maria Teresa Dias Furtado (trad.))

quarta-feira, 6 de julho de 2011

||

Na minha terra chamavam casa amarela à casa
onde guardavam os porcos. Por vezes, quando brincávamos
na rua, nós, crianças, lançávamos olhares furtivos para
as grades escuras e silenciosas das janelas além e, com
o coração apertado, balbuciávamos: «Coitadinhos!...»

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Birthday Present

What is this, behind this veil, is it ugly, is ti beautiful?
It is shimmering, has it breasts, has it edges?

I am sure it is unique, I am sure it is just what I want.
When I am quiet at my cooking I feel it looking, I feel it thinking

'Is this the one I am to appear for,
Is this the elect one, the one with back eye-pits and a scar?

Measuring the flour, cutting off the surplus,
Adhering to rules, to rules, to rules.

Is this the one for the annunciation?
My god, what a laugh!'

But it shimmers, it does not stop, and I think it wants me.
I would not mind if it was bones, or a pearl button.

I do not want much of a present, anyway, this year.
After all I am alive only by accident.

I would have killed myself gladly that time any possible way.
Now there are these veils, shimmering like curtains,

The diaphanous satins of a January window
White as babies' bedding and glittering with dead breath.

O ivory!

It must be a tusk there, a ghost-column.
Can you not see I do not mind what it is.

Can you not give it to me?
Do not be ashamed - I do not mind if it is small.

Do not be mean, I am ready for enormity.
Let us sit down to it, one either side, admiring the gleam,

The glaze, the mirrory variety of it.
Let us eat our las supper at it, like a hospital plate.

I know why you will not give it to me,
You are terrified

The world will go up in a shriek, and your head with it,
Bossed, brazen, an antique shield,

A marvel to your great-grandchildren.
Do not be afraid, it is not so.

I will only take it and go aside quietely.
You will not even hear me opening it, no paper crackle,

No falling ribbons, no scream at the end.
I do not think you credit me with this discretion.

If you only knew how the veils were killing my days.
To you they are only transparencies, clear ai.

But my god, the clouds are like cotton.
Armies of them. They are carbon monoxide.

Sweetly, sweetly I breath in,
Filling my veins with invisibles, with the million

Probable motes that tick the years off my life.
You are silver-suited for the occasion. O adding machine

-It is impossible for you to let something go and have it go whole?
Must you stamp each piece in purple,

Must you kill what you can?
There is this one thing I want today, and only you can give it to me.

It stands at my window, big as the sky.
It breathes from my sheets, the cold dead center

Where spilt lives congeal and stiffen to history.
Let it not come by the mail, finger by finger.

Let it not come by word of mouth, I should be sixty
By the time the whole of it was delivered, and too numb to use it.

Only let down the veil, the veil, the veil.
If it were death

I would admire the deep gravity of it, its timeless eyes.
I would know you were serious.

There would be a nobility then, the woul be a birthday.
And the knife not carve, but enter

Pure and clean as the cry of a baby,
And the universe slide from my side.

(Sylvia Plath, Selected Poems, edited by Ted Hughes)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Arte de inventar personagens



Pomo-nos bem de pé, com os braços muito abertos
e olhos fitos na linha do horizonte
Depois chamamo-los docemente pelos seus nomes
e os personagens aparecem




(Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação)



I N S Ó N I A

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Dilema nocturno #7

Na parede há um buraco branco, o espelho. É uma ratoeira. Sei que vou lá cair. Já está. A coisa cinzenta acabou de surgir no espelho. Aproximo-me e olho para ela; já não posso desviar-me.
É o reflexo da minha cara. Muitas vezes, nestes dias perdidos fico a contemplá-lo. Não percebo nada desta cara. As dos outros têm um sentido. A minha, não. Nem posso decidir se é bonita ou feia. Acho que é feia, porque mo disseram. Mas não é propriedade que me salte à vista. A bem dizer, até me surpreende que se lhe possam atribuir qualidades desse género, como se se chamasse bonito ou feio a um bocado de terra ou a um bocado de rocha.
(...)
O meu olhar desce lentamente, com enfado, por esta testa, por estas faces: não encontra nada de firme, afoga-se. Evidentemente, aquilo é um nariz, aquilo são uns olhos, aquilo uma boca, mas nada disso tem sentido, nem sequer expressão humana. Todavia, Anny e Vélines achavam que eu tinha um ar de vivacidade; devo estar habituado de mais à minha cara. A minha tia Bigeois dizia-me, quando eu era pequeno: «Se olhares muito tempo para o espelho, acabas por ver um macaco». Olhei muito, muito tempo, com certeza: o que lá vejo está muito abaixo do macaco, na fronteira do mundo vegetal, ao nível dos pólipos. Tem vida, não digo que não; mas não é nessa vida que Anny pensava: noto na imagem do espelho uns leves estremeções, vejo uma carne desenxabida que se distende e palpita com abandono. Os olhos, principalmente, de tão perto, são horríveis. São uma coisa vítrea, mole, cega, orlada de vermelho; parecem escamas de peixe.
Amparo-me, com todo o meu peso, à moldura de faiança, aproximo a minha cara do espelho até lhe tocar. Os olhos, o nariz e a boca desaparecem: já nada resta de humano. Rugas escuras de ambos os lados do inchaço febril dos lábios, gretas, montícudas bochechas; dois pelos saem das narinas: é uma carta geológica em relevo. E, apesar de tudo, este mundo lunar é-me familiar. Não posso dizer que lhe reconheça os pormenores. Mas o conjunto produz-me uma impressão de coisa já vista que me entorpece: resvalo lentamente para o sono.
Tento reagir: uma sensação viva e brusca libertar-me-ia. Espalmo a mão esquerda na face, puxo pela pele; desenha-se no espelho uma careta. Uma metade inteira do meu rosto cede, o lado esquerdo da boca torce-se e incha, destapando um dente, a órbita ensanguentada. Não é o que eu procurava: nada de forte, nada de olhos abertos; já a cara cresce, cresce no espelho, torna-se um imenso halo pálido a boiar na luz....

(Jean-Paul Sartre, A Náusea)


Não necessariamente um dilema. Uma insónia, sim. Um dia perdido como o de hoje merece este livro.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Quant à moi


 Desenganem-se, esta música é pura alegria para mim. O mais provável é isto ser um dilema nocturno.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

||



Minha amiga, viver é difícil. Já construí teorias morais de sobra para construir mais ainda, e contraditórias: sou demasiado sensato para acreditar que a felicidade apenas se encontra à beira de um erro, e o vício, tal como a virtude, não pode dar a alegria aos que a não têm em si mesmos. Simplesmente, ainda prefiro o erro (se de erro se trata) a uma denegação de nós próprios tão próxima da demência. A vida fez de mim aquilo que sou, prisioneiro (se quisermos) de instintos que não escolhi, mas aos quais me resigno, e este consentimento, assim o espero, sem me trazer felicidade, há-de proporcionar-me serenidade.


(Marguerite Yourcenar, Alexis)



O meu cérebro ressuscitou, finalmente. Depois de vários dias de quase-narcolepsia, regressei às habituais insónias. Daqui a um mês estarei novamente miserável e ninguém vai reparar. As atenções estão direccionadas para a nova criatura da família. Estou, por assim dizer, livre de todas as tentativas de normalização por parte dos meus progenitores. Já posso ser estranha à vontade. Até já me posso sentir infeliz e realmente parecer infeliz. Miserável, digo. No fundo, é para isso que servem as criaturas recém-nascidas. 


Ando aborrecida, tenho sido uma aluna péssima. O mais chato é que posso ser uma aluna excelente. É só uma questão de não me aborrecer. Como quem diz, assobiar menos.

(Ponto)





domingo, 14 de novembro de 2010

Sou a forma feminina de mau

Sou má pessoa, é verdade. Por muito que quisesse contrariar não consigo, não posso, não me apetece. Também gosto das ditas "boas pessoas", mas só porque me fazem cocegas ao ego e não são nada perversas.

sábado, 13 de novembro de 2010

O objecto do universo II

Não é um verdadeiro leitor, um philosophe lisant, aquele que nunca sentiu o fascínio acusador das grandes prateleiras de livros não lidos, das bibliotecas à noite de que Borges é o fabulista. Não é um leitor aquele que nunca ouviu, no seu ouvido mais íntimo, o apelo das centenas de milhares, dos milhões de volumes alinhados nas estantes da British Library ou de Widener, pedindo que os leiam. Pois existe em cada livro um desafio contra o esquecimento, uma aposta contra o silêncio que só pode ser ganha quando o livro for de novo aberto (mas, em contraste com o homem, o livro pode esperar séculos pela sorte da ressurreição).(...) Mas os livros que não abrimos chamam igualmente por nós, num clamor tão silencioso, mas também tão insistente, como o fluir da areia na ampulheta.

(George Steiner, Paixão Intacta)


Recebi um elogio não intencional. De alguém, que na tentativa de aprofundar conhecimentos sobre esta criatura, me tomou por uma coisa que não sou. Não foi um elogio, mas foi a percepção da percepção que o outro tem de mim. Neste caso foi uma espécie de percepção elogiosa. 
Para que conste, não me aproveitei da situação. Até porque hoje estou suficientemente maravilhada com os livros que trouxe da biblioteca. Depois de alguma indecisão, e de subir e descer o escadote à procura do livro (que acabei por não encontrar), cruzei-me com George Steiner no topo da estante, e revi ainda pelo caminho Os Cantos de Pound lido há uns tempos. Lamentei a ausência dos livros que me tinham levado a ir lá, amaldiçoei umas quantas pessoas, entre eles, professores que se apoderam de livros para a eternidade. E peguei, finalmente, no colossal livro de Edgar Allan Poe que reúne todos os contos e que cobiçava desde que foi publicado. Não trouxe nenhum livro de poesia. Talvez para o contrariar, porque ele disse que eu só leio poesia, e disse-o num tom depreciativo. É um individuo que não compreende claramente o apelo dos livros. Ou que nunca se sentiu esmagado pela dimensão da biblioteca e pela certeza da impossibilidade de ler tudo, simplesmente porque não é eterno. Mas, tragicidade à parte, se um individuo ler aquilo que realmente lhe interessa é capaz de ficar minimamente satisfeito. Assim, dando-lhe razão e contrariando-o ao mesmo tempo. Tão paradoxalmente como sempre. Peguei nos dois livros para ressuscitar mais tarde e saí.



Numa coisa concordamos, sou céptica. 

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

(sufocar)






Sabes, antes de tu chegares havia muito mais aqui. Agora há só uma indiferença profunda e inflamada dentro do meu peito. E um grito ou uma coisa qualquer, que não rasga nem me deixa respirar.








quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Dilema nocturno #5



No fundo, a Berma seria uma desilusão sem o senhor Norpois. As expectativas eram tais e as impressões tão confusas, que havia uma certa inquietação. Uma inquietação que retirou valor à experiência. E aquilo que deveria ter sido delicioso foi quase desagradável. Felizmente, o senhor Norpois, mil vezes mais inteligente que ele, revelou-lhe a verdade. 



(Preciso de um senhor Norpois, mais inteligente que a minha pessoa e que me faça ignorar menos o mundo. Sim, porque isto é tudo tão delicioso que me faltam todas as verdades.)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cosmic Love



Tenho de admitir que gosto. Sempre tive dificuldade em gostar de coisas que a maioria gosta. Mas na impossibilidade de viver num mundo exclusivo, rendo-me (só um bocado).

Agora, vou ver um episódio do Dartacão gravado com propósitos nostálgicos nocturnos.

E ainda:
O gato precisa do arco-íris. Ninguém é vermelho sempre. E eu sou-o pela pessoa errada.
Também sou má pessoa. Mas isso é para depois.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

Sadnesses of the intellect

Dilema nocturno #4

Aborreço-me facilmente. Não tenho paciência para tretas, por isso passo a vida a assobiar para o lado. Admito que gosto que me façam cocegas ao ego. Mas entre o aborrecer-me e o assobiar há uma preguiça imensa. 


Há dois dias atrás dormi oito horas. Não me senti feliz. Não estou menos cansada. Fiz uma composição em mandarim. Tenho dois livros novos para ler. Um deles é o À Sombra das Raparigas em Flor de Proust, vou, portanto, no segundo volume de Em Busca do Tempo Perdido. O outro é do Ruy Belo.
Devia estudar japonês. Mas, para além de me aborrecer fico ansiosa e apetece-me ler ou ver filmes. É quando penso no meu professor que é um mimo e que diz "o deleite intelectual não é tudo na vida" ou "é uma ternura um livro daqueles", e o senhor, contrariando-se, convence-me que é melhor ler o livro.

Isto não é um diário.

Boa noite.

Vou pensar nisto:
"Poder-se-á dizer que certa influência é nociva só porque nos rebelamos contra ela?" -Pergunta Ruy Belo.

sábado, 16 de outubro de 2010

E também se pode morrer de falta de amor. Não?

MGM    A pergunta era: Porquê a necessidade do outro?

MC    Eu sei lá, pergunta ao Jeová.
Não fui eu que criei essa necessidade.
Eu acho que em muitos casos, o outro é o nosso espelho, sem esse espelho não nos vemos. Não existimos. É claro que podes dizer que isto é um bocado abusivo, que eu no espelho não vejo senão a mim, mas não é isso. Eu no espelho ou vejo os dois ou vejo o outro, através de mim. E os seres habituais têm necessidade desse encontro, que não é um espelho mudo, etc. 
Não é o Narciso, que esse quer ver-se a si próprio, não! É o que olha para a água e olha para o espelho e vê o outro, ou a outra, com quem pode conversar, viver. 
Isto é um bocadinho estúpido também, mas é da sabedoria antiga. (ri)

MGM   O Mário acredita que se pode morrer de amor?

MC    Até os animais. E talvez sobretudo os animais. Porque talvez não tenham inteligência suficiente para compensar, ir ao cinema para distrair. Mas eu acho que sim, que se pode morrer de amor.
Quer dizer, pronto, dá uma constipação, dá uma coisa qualquer, o senhor morre. O Ernesto Sampaio é um caso desses, quando morreu a Fernanda ele não sabia viver, não sabia. Ele escreveu um livro chamado Fernanda, que eu se fosse a ele nem publicava aquilo, porque é um grito tão horrível, tão forte, que a chamada literatura não aguenta aquilo. Não aguenta!
Não sei se conheces esse livro, é um poema, é uma COISA!
Depois morreu, pronto. Não sabia viver sem a Fernanda, é um caso palpável.
E também se pode morrer de falta de amor. Não?

(Mário Cesariny, Verso de Autografia)


Boa noite.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dilema nocturno #2

As pessoas gostam de gostar daquilo que os outros gostam. Depois gostam todos uns dos outros, e está feito o rebanho.
Concluindo, é difícil relacionares-te com o rebanho, a empatia nunca chega para todos.