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quarta-feira, 20 de março de 2013

Passing through





há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade


(Al Berto)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Destruir-te.

anoto estas coisas vagarosamente, escrevo o menos possível, quase não 
gesticulo, mexo-me o absolutamente necessário. é preciso chegar ao zero ao 
silêncio e a mobilidade. 
escrever no limite do dia, preparar-me para a noite, despertar em mim um 
nome, inventar-te. 
tecer uma intriga e devorar-te, mentir-te, mentir-te uma vez mais


(Al Berto)


Delete.

Sublinho

fiquei definitivamente adulto, cansado pelos dias que me obrigo a viver




(Al Berto)




De quem percebe de destruições. 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

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Anoto no caderno: esta noite falaremos sobre uma paixão. Que mais faremos com os corpos?
(Al Berto)



Não sei o que lhes faremos. Mas sei que os meus dedos estão bailarinos e que o teclado ressuscitou. Talvez eles falem de ti ou da paixão.

domingo, 7 de novembro de 2010

Salvar o dia


todo o santo dia bateram à porta. não abri, não me apetecia ver pessoas, ninguém.
escrevi muito, de tarde e pela noite dentro.
curiosamente, hoje, ouve-se o mar como se estivesse dentro de casa. o vento deve estar de feição. a ressonância das vagas contra os rochedos sobressalta-me. desconfio que se disser mar em voz alta, o mar entra pela janela.
sou um homem privilegiado, ouço o mar ao entardecer, que mais posso desejar? e no entanto, não estou alegre nem apaixonado, nem me parece que esteja feliz. escrevo com um único fim: salvar o dia.


(Al Berto, O Medo)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Prelúdio de uma insónia

Ofício de Amar


já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras galáxias, e o remorso

um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo



(Al Berto)




Sim, isso. Porque tenho a pérola e estou cansada. Tenho esse supremíssimo cansaço seguido de infinitos íssimo.
Não é uma boa noite para sentir.
Não foi um bom dia para te lembrar.
Acho que tinhas demasiadas expectativas, acho.
Acho que morreste pelos teus 16 anos, embriagado em Rimbaud e Eugénio. És adulto, demasiado adulto para sentires. E eu não.