A penny for the Old Guy
I
We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats' feet over broken glass
In our dry cellar
Shape without form, shade without colour,
Paralysed force, gesture without motion;
Those who have crossed
With direct eyes, to death's other Kingdom
Remember us - if at all - not as lost
Violent souls, but only
As the hollow men
The stuffed men.
II
Eyes I dare not meet in dreams
In death's dream kingdom
These do not appear:
There, the eyes are
Sunlight on a broken column
There, is a tree swinging
And voices are
In the wind's singing
More distant and more solemn
Than a fading star.
Let me be no nearer
In death's dream kingdom
Let me also wear
Such deliberate disguises
Rat's coat, crowskin, crossed staves
In a field
Behaving as the wind behaves
No nearer -
Not that final meeting
In the twilight kingdom
III
This is the dead land
This is cactus land
Here the stone images
Are raised, here they receive
The supplication of a dead man's hand
Under the twinkle of a fading star.
Is it like this
In death's other kingdom
Waking alone
At the hour when we are
Trembling with tenderness
Lips that would kiss
Form prayers to broken stone.
IV
The eyes are not here
There are no eyes here
In this valley of dying stars
In this hollow valley
This broken jaw of our lost kingdoms
In this last of meeting places
We grope together
And avoid speech
Gathered on this beach of the tumid river
Sightless, unless
The eyes reappear
As the perpetual star
Multifoliate rose
Of death's twilight kingdom
The hope only
Of empty men.
Here we go round the prickly pear
Prickly pear prickly pear
Here we go round the prickly pear
At five o'clock in the morning.
Between the idea
And the reality
Between the motion
And the act
Falls the Shadow
For Thine is the Kingdom
Between the conception
And the creation
Between the emotion
And the response
Falls the Shadow
Life is very long
Between the desire
And the spasm
Between the potency
And the existence
Between the essence
And the descent
Falls the Shadow
For Thine is the Kingdom
For Thine is
Life is
For Thine is the
This is the way the world ends
This is the way the world ends
This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper.
(T.S. Eliot, The Hollow Men)
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
sábado, 10 de dezembro de 2011
Not me
You did not come,
And marching Time drew on, and wore me numb.
Yet less for loss of your dear presence there
Than that I thus found lacking in your make
That high compassion which can overbear
Reluctance for pure lovingkindness' sake
Grieved I, when, as the hope-hour stroked its sum,
You did not come.
You love not me,
And love alone can lend you loyalty;
-I know and knew it. But, unto the store
Of human deeds divine in all but name,
Was it not worth a little hour or more
To add yet this: Once you, a woman, came
To soothe a time-torn man; even though it be
You love not me.
(Thomas Hardy, A Broken Appointment)
And marching Time drew on, and wore me numb.
Yet less for loss of your dear presence there
Than that I thus found lacking in your make
That high compassion which can overbear
Reluctance for pure lovingkindness' sake
Grieved I, when, as the hope-hour stroked its sum,
You did not come.
You love not me,
And love alone can lend you loyalty;
-I know and knew it. But, unto the store
Of human deeds divine in all but name,
Was it not worth a little hour or more
To add yet this: Once you, a woman, came
To soothe a time-torn man; even though it be
You love not me.
(Thomas Hardy, A Broken Appointment)
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.
Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.
Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
sábado, 12 de novembro de 2011
Lettera amorosa
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
(Eugénio de Andrade, Lettera Amorosa)
sábado, 15 de outubro de 2011
coro dos maus oficiais de serviço
na corte de epaminondas, imperador
Vá
uma morte loura
simpática
acolhedora
que não dê muito que falar
mas que também não gere
um silêncio excessivo
vá
uma morte boa
a uma boa hora
uma morte ginasta tradutora
relativamente compensadora
uma morte pedal espinha de bicicleta quase carapau
com quatro a cinco soltas a dizer
que se ele não tivesse ido embora
tão jovem tão salino
boas probabilidades haveria de ter
de vir a ser
dos melhores poetas pós-fernandino
vá lá vá lá Mário
uma morte
naniôra
que não deixe o esqueleto de fora como nos casos do mau gosto
os esqueletos têm sempre um quê de arrependidos
se bem que por aí já convinha lá isso já também era verdade
vá
o demais demora
e
francamente
nunca será teu
vá vá vamos embora
custava-te menos agora
e ainda ias para o céu
(Mário Cesariny, in Manual de Prestidigitação)
na corte de epaminondas, imperador
Vá
uma morte loura
simpática
acolhedora
que não dê muito que falar
mas que também não gere
um silêncio excessivo
vá
uma morte boa
a uma boa hora
uma morte ginasta tradutora
relativamente compensadora
uma morte pedal espinha de bicicleta quase carapau
com quatro a cinco soltas a dizer
que se ele não tivesse ido embora
tão jovem tão salino
boas probabilidades haveria de ter
de vir a ser
dos melhores poetas pós-fernandino
vá lá vá lá Mário
uma morte
naniôra
que não deixe o esqueleto de fora como nos casos do mau gosto
os esqueletos têm sempre um quê de arrependidos
se bem que por aí já convinha lá isso já também era verdade
vá
o demais demora
e
francamente
nunca será teu
vá vá vamos embora
custava-te menos agora
e ainda ias para o céu
(Mário Cesariny, in Manual de Prestidigitação)
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
domingo, 25 de setembro de 2011
«Que dia? Que olhar?»
Cheguei demasiadamente tarde
e já todos se tinham ido embora
restavam papéis velhos, vidas mortas,
identidades, sujidade, eternidade.
Comeram o meu corpo e
beberam o meu sangue; e, pelo caminho, a minha biblioteca;
e escreveram a minha Obra Completa;
sobro, desapossado, eu.
Resta-me ver televisão,
votar, passear o cão
(a cidadania!). Prosa também podia,
e lentidão, mas algo (talvez o coração) desacertaria.
Pôr-me aos tiros na cara como Chamfort?
Dar em aforista ou ainda pior?
Mudar de cidade? Desabitar-me?
Posmodenizar-me? Experienciar-me?
Com que palavras e sem que palavras?
Os substantivos rareiam, os verbos vagueiam
por salões vazios e incendiados
entregando-se a guionistas e aparentados.
Cheira excessivamente a morte por aqui
como no fim de uma batalha cansada
de feridas antigas, e eu sobrevivi
do lado errado e pela razão errada.
«Que dia? Que olhar?»
(Beckett, «Dias felizes»)
Que feridas? Que estandar-
te? Que alheias cicatrizes?
Estou diante de uma ponta (de uma forma)
com o - como dizer? - coração
(um sítio sem lugar, uma situação)
cheio de palavras últimas e discórdia.
(Manuel António Pina, Os livros)
e já todos se tinham ido embora
restavam papéis velhos, vidas mortas,
identidades, sujidade, eternidade.
Comeram o meu corpo e
beberam o meu sangue; e, pelo caminho, a minha biblioteca;
e escreveram a minha Obra Completa;
sobro, desapossado, eu.
Resta-me ver televisão,
votar, passear o cão
(a cidadania!). Prosa também podia,
e lentidão, mas algo (talvez o coração) desacertaria.
Pôr-me aos tiros na cara como Chamfort?
Dar em aforista ou ainda pior?
Mudar de cidade? Desabitar-me?
Posmodenizar-me? Experienciar-me?
Com que palavras e sem que palavras?
Os substantivos rareiam, os verbos vagueiam
por salões vazios e incendiados
entregando-se a guionistas e aparentados.
Cheira excessivamente a morte por aqui
como no fim de uma batalha cansada
de feridas antigas, e eu sobrevivi
do lado errado e pela razão errada.
«Que dia? Que olhar?»
(Beckett, «Dias felizes»)
Que feridas? Que estandar-
te? Que alheias cicatrizes?
Estou diante de uma ponta (de uma forma)
com o - como dizer? - coração
(um sítio sem lugar, uma situação)
cheio de palavras últimas e discórdia.
(Manuel António Pina, Os livros)
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Tanta terra
Tanta terra,
tantas palavras sob tantas palavras.
Regressa como um corpo o coração
à apenas existência,
lembrança de
alguma coisa lida:
o rosto da mãe, a trepadeira do jardim.
Mãe, afastei-me de mais, perdi-me
no meio de palavras minhas e palavras alheias,
quem, se eu gritar, me ouvirá entre as legiões dos anjos?
E nem isto me pertence,
a tua ausência e o meu medo;
nem estou na minha ausência,
fui como um vaso e quebrei-me ou qualquer coisa assim.
(Manuel António Pina, Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança)
tantas palavras sob tantas palavras.
Regressa como um corpo o coração
à apenas existência,
lembrança de
alguma coisa lida:
o rosto da mãe, a trepadeira do jardim.
Mãe, afastei-me de mais, perdi-me
no meio de palavras minhas e palavras alheias,
quem, se eu gritar, me ouvirá entre as legiões dos anjos?
E nem isto me pertence,
a tua ausência e o meu medo;
nem estou na minha ausência,
fui como um vaso e quebrei-me ou qualquer coisa assim.
(Manuel António Pina, Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança)
sábado, 3 de setembro de 2011
Nenhuma palavra e nenhuma lembrança
Sabes que já não durmo por dentro? Fecho os olhos e afundo-me num poço sem palavras nem espaço, continuando, sem o saberes, acordado, temendo perder-te. E tantas vezes te perdi, tantas vezes inquietamente te chamei e não respondeste! Agora, a meio da noite, escuto a tua respiração na cama a meu lado, como se eu e tudo, a minha memória e os meus sentidos (principalmente os meus sentidos), fôssemos apenas um sonho de outras pessoas, provavelmente, como poderei sabê-lo?, um sonho teu.
(Manuel António Pina, Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança)
terça-feira, 30 de agosto de 2011
||
"Compreendia que agora era ela que ia cair no abismo. Viu que, quando as raízes se rompessem, não se poderia agarrar a mais nada, nem mesmo a si própria. Pois era ela própria o que ela agora ia perder."
(Sophia de Mello Breyner Andressen, "A viagem", in Contos exemplares)
Vou, finalmente, para o outro lado. Do espelho, do desejo, do mundo. Para longe de mim.
Não Posso Adiar o Amor
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o rneu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
(António Ramos Rosa, Viagem Através de uma Nebulosa)
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o rneu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
(António Ramos Rosa, Viagem Através de uma Nebulosa)
|
"我不是一株卑贱的小草,任凭凄风苦雨的摧残,我是病树之上一枝健康树枝,虽然我的存在不能挽救病树的死亡,但我要努力向大地播下健康的种子。" (荆楚)
"I am not a humble grass. Despite the ravages of the storm,I am a healthy tree branch on a sick tree. Although my existence cannot save the dying tree, I want to sow healthy seeds into the earth." (Jing Chu)
On the Term of Exile
No need to drive a nail into the wall
To hang your hat on;
When you come in, just drop it on the chair
No guest has sat on.
Don’t worry about watering the flowers—
In fact, don’t plant them.
You will have gone back home before they bloom,
And who will want them?
If mastering the language is too hard,
Only be patient;
The telegram imploring your return
Won’t need translation.
Remember, when the ceiling sheds itself
In flakes of plaster,
The wall that keeps you out is crumbling too,
As fast or faster.
Translated from the German by Adam Kirsch
To hang your hat on;
When you come in, just drop it on the chair
No guest has sat on.
Don’t worry about watering the flowers—
In fact, don’t plant them.
You will have gone back home before they bloom,
And who will want them?
If mastering the language is too hard,
Only be patient;
The telegram imploring your return
Won’t need translation.
Remember, when the ceiling sheds itself
In flakes of plaster,
The wall that keeps you out is crumbling too,
As fast or faster.
Translated from the German by Adam Kirsch
(Bertolt Brecht)
domingo, 28 de agosto de 2011
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
terça-feira, 23 de agosto de 2011
À beira da água
Estive sempre sentado nesta pedra
Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,
tão feito de privação.) Estou onde
sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.
(Eugénio de Andrade, "À beira da água", in JL, Foz do Douro (27. 8. 2000))
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Not Quite karaoke
For the first time you wonder about your beloved trade
nobody needs you now. you were born at the wrong time
(Yu Jian, Outside the Poet's Scope: Observation of the Life of a Raindrop)
domingo, 21 de agosto de 2011
“Killings, killings. No memories, no memories.”
June 4, 1989
A massacre took place in the capital city of the People’s Republic of China. The size of it shocked the world. Nobody knows precisely how many innocent people lost their lives. The government put the number of “collateral deaths” at two hundred or less. But many Chinese believe that it was more like three thousand innocent students and residents who were slain.
I didn’t witness the killings in Tiananmen Square. I was home in Fuling, a small mountain town well known for its pickled and shredded turnips. When I heard the news, I was outraged. I composed an epic poem, “Massacre,” to commemorate the government’s brutality against its people. With the help of a visiting Canadian friend, I made a tape, chanting my poem into an old toothless tape recorder. My wife Axia was also present.
Lembrar para além de Liao Yiwu e Ai Weiwei, o Nobel Liu Xiaobo, o escritor Ye Du (Wu Wei), o activista e advogado Teng Biao, o escritor Liu Xianbin e o activista e advogado Gao Zhisheng. Mais sobre o Weiquan movement e outros activistas, aqui. O blogue do Falun Gong, (quanto a este admito ser reticente, contudo os seus membros são também alvo de perseguição) que publica e traduz, diariamente, algumas das notícias proibidas em território chinês. E todos os outros que ficam por nomear ou que desconheço, por ignorância ou por encobrimento.
Adenda: The Cambridge History of Chinese Literature, Volume 2, aqui; Chinese poetry in times of mind, mayhem and money, aqui; Culture in the contemporary PRC, aqui. China in a polycentric world: essays in Chinese comparative literature, aqui.
Adenda: The Cambridge History of Chinese Literature, Volume 2, aqui; Chinese poetry in times of mind, mayhem and money, aqui; Culture in the contemporary PRC, aqui. China in a polycentric world: essays in Chinese comparative literature, aqui.
大屠杀
谨以此诗献给法国大革命200周年
谨以此诗献给中国五四运动70周年
谨以此诗献给六四惨案的死难者
而另一种屠杀在乌托邦中央进行
总理一伤风,人民必须咳嗽,戒严令一次次下达
老掉牙的国家机器压向胆敢反抗疾病的人们
手无寸铁的暴徒成千上万地倒下
职业杀手披掛钢铁在血海裡游泳,在紧闭的窗户下纵火
用死姑娘的裙子擦军用皮靴,他们不会颤抖
这些没有心臟的机器人不会颤抖
他们的电脑只有一个程式,一道漏洞百出的公文
代表祖国屠杀宪法
代替宪法屠杀正义
代表母亲呛死孩子
代表孩子鸡奸父亲
代表妻子谋害丈夫
代表市民炸毁城市
开枪!开枪!向老人、向儿童、妇女开枪
向学生、工人、教师、摊贩开枪!扫射!扫射
瞄準那些愤怒的脸、惊愕的脸、痉挛的脸、惨笑的脸
万念俱灰和平静的脸扫射!尽情地扫射
那些潮水般涌过来又转瞬即逝的脸多美丽
那些即将上天堂和下地狱的脸多美丽
美丽,把人变成怪兽的美丽
引诱人去糟踏去诬衊去佔有去玷污的美丽
干掉一切美丽
干掉鲜花、森林、校园、恋爱、吉它和过於清纯的空气
干掉那些想入非非的念头!扫射!扫射!好过癮啊
就像吸一次大麻、上一次厕所,在兵营裡乱搞一次叫老婆的玩意
扫射!扫射!扫射!好过癮,好过癮啊
打穿脑壳!烧焦头皮
让浆汁迸出来。灵魂迸出来
溅向立交桥、门楼、栏杆!溅向大马路!溅向天空变成星星
逃跑的星星!长著两条人腿的星星
天地颠倒了
人类都戴著亮晶晶的帽子
亮晶晶的钢盔
有支军队从月球裡杀出来,扫射!扫射!扫射!多好玩啊
人类和星星一起倒下。一起逃跑。分不出彼此
追到云上去!追到地缝和皮肉裡去扫射
把灵魂再打一个洞!把星星再打一个洞
穿红裙子的灵魂!系白腰带的灵魂!穿球鞋做广播体操的灵魂
往哪里跑!我们要把你从泥土裡挖出来
从肉上扯下来,从空气和水中捞起来
扫射!扫射!好过癮!好过癮啊
屠杀在三个世界进行
在鸟翅,鱼腹,微尘裡进行。在无数座生物鐘裡进行
跳吧!嚎吧!飞吧!跑吧
你越不过一道道火墙。游不过一滩滩血
好过癮!自由好过癮!掐死自由好过癮啊
权力永远会胜利。永远会一代又一代传下去
自由也会死灰復燃。一代又一代死灰復燃
像黎明到来之前那一丁点光亮
不。没有光亮。在乌托邦的中央永远没有光亮
我们的心一团漆黑。又黑又烫,像一座焚尸炉
一点点烧毁死者的幻象
我们会存在的。统治我们的政府会存在的,白昼快结束了
好过癮!好过癮啊!刽子手还在嚎叫
孩子。浑身冰凉的孩子,手握石块的孩子,我们回家吧
嘴唇苍白的姑娘,我们回家吧
肝脑涂地的兄弟姐妹,我们回家吧
我们无声无息地走
在离地面三尺高的路上走
一直朝前、总会有安息的地方
总会有听不见枪炮声的地方
我们多想躲进一根草茎、一片叶子
叔叔、阿姨、奶奶、爸爸、妈妈,家还有多远
我们没有家了。谁都知道,汉人没有家了
家是一个温柔的愿望
让我们死在愿望裡!扫射吧扫射吧
让我们死在自由、正义、平等、博爱、和平这些縹緲的愿望里
让我们变成这样一些愿望
站在地平线,引诱更多活著的人去死
下雨了,不知是雨滴还是透明的灰烬
妈妈你快跑!儿子你快跑!哥哥你快跑!弟弟你快跑
小兔崽子,你快跑啊,咱们哥俩只能死一个
刽子手不会手软!
刽子手,仁慈的仁慈的刽子手
放过这些妇女和孩子,放过这个妇女和孩子
给汉人留下一个种,就一个种
求您啦,刽子手!你不会手软吗?更可怕的白昼要来了
扫射!扫射!扫射!好过癮!好过癮呵
哭吧哭吧哭吧哭吧哭哭哭哭哭哭哭吧
趁你还没有被围歼,趁你还剩下吃奶的力气,哭哭哭吧
让你的哭声遗弃你,融入广播、电视、雷达,作为一次次杀戳的见
让你的哭声遗弃你,融入植物、半植物和微生物
开出串串白花,年復一年为逝者致哀,为你自己致哀
让你的哭声被篡改,歪曲,被圣战的叫嚣淹灭
屠夫们从城东来,从城西来,从城南和城北来
金属头盔闪闪发光。他们合唱著
太阳从东方升起,太阳从西方升起,太阳从南方和北方升起⋯⋯
腐臭的酷夏,人与鬼合唱著
你不要到东方去,你不要到西方去,你不要到南方和北方去⋯⋯
我们置身於光明却人人都是瞎子
我们置身於大道却人人都不会走路
我们置身於喧哗却人人都是哑巴
我们置身于焦渴却人人都拒绝喝水
不识时务的人,四面楚歌的人,企图射杀太阳的人
你只有哭,你还在哭,你哭哭哭哭哭哭哭!哭哭!哭
你被闷死,晒死,你浑身起火!但是你哭著
你登臺表演闹剧,你被游街示眾,但是你哭著
你的眼球爆炸,烫伤了围观的群眾,但是你哭著
你悬赏自己,侦破自己,陷害自己
你说你错了,这个短命的时代全错了!但是你哭著
你被跺成肉饼,你哭著
肉饼被踩成肉末,你哭著
一隻狗舔光了肉末,你在狗肚子裡哭著!哭哭哭著
这样空前绝后的屠杀是为了狼狈的倖运
1989年6月4日凌晨
(廖亦武, 大屠杀)
A trabalhar neste poema, intitulado Massacre, de Liao Yiwu, publicado anteriormente.
sábado, 20 de agosto de 2011
Bartleby
Já tenho uma certa idade. A natureza das minhas ocupações, nos últimos trinta anos, pôs-me em contacto estreito com o que seria de considerar uma interessante e algo singular classe de homens, sobre a qual, que eu saiba, nada se escreveu ainda - quero dizer, os escrivães, ou copistas do foro. Conheci muitos deles, quer profissional quer particularmente, e, se me apetecesse, podia contar variadas histórias, acerca das quais os cavalheiros de boa índole ririam, ao passo que as almas sensíveis verteriam lágrimas. Mas eu ponho de lado as biografias de todos os outros, em troca de algumas passagens da vida de Bartleby, que era escrivão, o mais estranho que conheci ou de que ouvi falar. Enquanto de outros copistas do foro, eu poderia escrever a vida completa, acerca de Bartleby tal não é possível. Creio não haver material existente de modo a fazer-se a biografia integral e capaz deste homem. É uma perda irreparável para a literatura. Bartleby era um desses seres acerca dos quais nada se pode concluir a não ser a partir de fontes originais, que, no seu caso, são mínimas. O que os meus próprios olhos, atónitos, viram de Bartleby, isso é tudo quanto sei dele, excepto, na verdade, determinado rumor, que aparecerá em devido tempo. (...)
- Vai ou não deixar-me? - perguntei-lhe então num acesso de súbita fúria, avançando para ele.
- Preferia não o deixar - retorquiu, acentuando delicadamente o não.
- Mas que direito tem o senhor neste mundo de permanecer aqui? Paga a minha renda? Paga os meus impostos? Ou isto é propriedade sua?
Nada respondeu.
- Está pronto para prosseguir, e escrever, agora? Já está bom dos olhos? Pode copiar-me um pequeno documento, esta manhã? Ou ajudar a conferir umas linhas? Ou ir ao Correio? Numa palavra, fará alguma coisa que justifique a sua recusa em partir desta casa?
Retirou-se silenciosamente para o interior do seu ermitério.
Eu estava agora num estado tal de excitação nervosa que julguei ser mais prudente abster-me de momento de mais manifestações. Bartleby e eu estávamos sós. (...)
[Foi então que] agarrei nele e lancei-o fora. Como? Pois simplesmente recordando a injunção divina: «Um novo mandamento vos dou, que vos ameis uns aos outros.» Sim, isto foi o que me salvou. À parte mais elevadas considerações, a caridade opera muitas vezes como princípio imensamente sábio e prudente — uma grande salvaguarda para o seu possuidor. Os homens têm cometido assassínios por causa do ciúme, do ódio, do egoísmo, da soberba; mas nenhum homem cometeu jamais, que eu saiba, um crime diabólico por causa da doce caridade. O simples interesse próprio, então, se melhor motivo se não arranjasse, deveria, especialmente nos homens que facilmente se encolerizam, levar todos os seres à caridade e à filantropia. De qualquer maneira, e no momento em questão, esforcei-me por abafar o meu sentimento de exasperação dirigido contra o escrivão, procurando interpretar com benevolência a sua conduta. Coitado! Coitado! - pensei. - Não faz de propósito; e além do mais, tem passado maus bocados, devemos ser indulgentes para com ele.
E tentei de imediato ocupar-me e ao mesmo tempo compensar o meu desalento. Procurei imaginar que no decurso da manhã, em determinada altura que julgasse conveniente, Bartleby, de sua livre vontade, emergiria do seu ermitério e tomaria a direcção da porta com um passo decidido. Mas não. Veio o meio-dia e meia; o rosto de Turkey começou a brilhar, entornou o tinteiro, tornando-se manifestamente turbulento; Nippers fez-se sossegado e cortês; Ginger Nut foi remoendo a sua maçã do meio-dia; Bartleby permanecia de pé diante da sua janela, num dos seus mais profundos devaneios em frente da parede cega. Seria de crer? Deveria eu admitir tal coisa? Nessa tarde abandonei o escritório sem lhe dizer uma palavra mais.
Passaram-se mais uns dias, durante os quais, quando me era possível, eu dava uma olhadela a On the Will, de Edwards, e On Necessity, de Priestley. Nas circunstâncias presentes, estes livros produziram um resultado salutar. Gradualmente fui-me convencendo de que estes problemas, no que concerne ao escrivão, tinham sido já predestinados de toda a eternidade e que Bartleby me havia sido destinado por qualquer oculto desígnio de uma omnipotente Providência, que não estava nas mãos de um simples mortal como eu perscrutar. Sim, Bartleby, fica aí por detrás do teu biombo, pensei eu; não mais te perseguirei; és tão inofensivo e silencioso como qualquer uma destas velhas cadeiras; numa palavra, nunca me sinto tão à minha vontade como quando sei que aí estás. Finalmente vejo-o e sinto-o, penetro o predestinado fim da minha vida. Estou satisfeito. Outros poderão desempenhar papéis mais sublimes; a minha missão neste mundo, Bartleby, é dar-te espaço no meu escritório durante o período que entendas necessário permanecer.
Acredito que esta sábia e abençoada disposição de espírito me teria acompanhado, não tivessem sido os comentários inoportunos e pouco caridosos que me eram lançados pelos colegas que me visitavam. Mas assim frequentemente acontece que a constante fricção com espíritos nada liberais vem a minar inevitavelmente as melhores disposições dos mais generosos. Pensando bem, na verdade, não era realmente de estranhar que as pessoas que entravam no escritório ficassem impressionadas com o singular aspecto do inacreditável Bartleby, e fossem por isso tentadas a lançar qualquer sinistra observação a seu respeito. Em certas alturas, um solicitador, que tinha coisas a tratar comigo, vinha ao meu escritório, e, não encontrando lá ninguém a não ser o escrivão, tentava obter deste alguma informação precisa sobre o local onde eu estaria; mas sem prestar nenhuma atenção a tal palavreado, Bartleby permanecia de pé, imóvel, no meio da sala. E era assim que, depois de o ter observado durante um bocado, o solicitador se ia embora a saber o mesmo.
Igualmente quando havia uma inquirição, o quarto cheio de advogados e testemunhas, e o negócio a todo o vapor, um dos cavalheiros da profissão presentes, muito ocupado, e vendo Bartleby sem fazer nada, instava-o a que fosse ao seu escritório buscar-lhe uns papéis. Logo Bartleby se recusava tranquilamente, permanecendo no entanto tão desocupado como anteriormente. O advogado, então, olhava-o assombrado, e voltava-se para mim. E que podia eu dizer? Por fim apercebi-me de que no círculo das minhas relações profissionais corria um murmúrio de espanto, devido à estranha criatura que eu albergava no meu escritório. Isto muito me aborrecia. E como me ocorresse a possibilidade de ele ser pessoa para viver muitos anos, continuando a ocupar os meus aposentos, negando a minha autoridade; causando perplexidade nos visitantes; difamando a minha reputação profissional; lançando uma soturnidade geral sobre o local de trabalho; mantendo-se firmemente, sem gastar nada que fosse das suas economias (visto que ele não gastava mais de meio cêntimo por dia), e talvez que, por fim, sobrevivendo-me, reivindicasse a posse do meu escritório devido à sua ocupação perpétua dele. Como todas estas sombrias antecipações se acumulassem mais e mais na minha mente, e os meus amigos continuassem a manifestar incansavelmente a sua opinião acerca daquela aparição nos meus aposentos, operou-se em mim uma grande mudança. (...)
Agindo em conformidade, dirigi-me a ele no dia seguinte nestes termos: - Acho este local demasiado longe da Câmara Municipal: os ares aqui são pouco saudáveis. Numa palavra, proponho-me mudar de local na próxima semana, e não precisarei mais dos seus serviços. Digo-lhe isto agora, para que possa procurar outro lugar.
Ele não respondeu, e ficámos por aqui.
No dia determinado contratei carroças e homens, dirigi-me aos meus escritórios e, tendo pouca mobília, a mudança fez-se em poucas horas. Durante todo o tempo, o escrivão permaneceu de pé atrás do biombo, tendo eu dado ordens para que fosse a última coisa a ser retirada. Retiraram-no dobrado como se fosse um enorme fólio, e lá ficou Bartleby, ocupante imóvel de uma sala nua. Fiquei à entrada da porta a observá-lo um momento, enquanto intimamente algo me censurava.
Voltei a entrar, com a mão no bolso - e... e o coração na boca.
- Adeus, Bartleby; vou-me embora. Adeus, e que Deus o guarde; tome lá isto - e passei-lhe sub-repticiamente qualquer coisa para a mão. Mas logo caiu ao chão; e então, por estranho que pareça, foi a custo que me separei dele, de quem eu tanto ansiava desembaraçar-me. (...)
(Herman Melville, Bartleby)
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Coisas que não se podem comparar
O Verão e o Inverno. A noite e o dia. A chuva e o sol: a juventude e a velhice. O riso de alguém e a sua ira. O preto e o branco. o amor e o ódio. O pequeno anil com o grande filodendro. Quando se deixa de amar alguém, sentimo-nos como se fossemos outra pessoa, mesmo continuando a mesma.
Num jardim de plantas perenes, os corvos dormem. Por volta da meia noite alguns acordam com grande alvoroço e começam a voar de um lado para o outro. O desassossego espalha-se para as outras árvores e em breve, todos os pássaros acordam e grasnam alvoraçados.
Como são diferentes os mesmos corvos durante o dia!
(Sei Shōnagon (清少納言), na revista A Sul de Nenhum Norte, tradução de Maria Sousa (do japonês? I don't think so)
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolências de veludos caros,
São como sedas brancas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
(Florbela Espanca, Livro de Sóror Saudade)
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolências de veludos caros,
São como sedas brancas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
terça-feira, 16 de agosto de 2011
96
Devia-se partir da vida como Ulisses partiu de Nausica - abençoando-a, não apaixonado por ela.
(Nietzche, Além do Bem e do Mal)
Afinal, a única afinidade que temos é alfabética. Aquela em que em que os nossos nomes começam por M e tu vens depois de mim. De resto, não há mais nada.
A desilusão morou sempre aqui, infelizmente. Para apareceres tu, mais valia não ter aparecido ninguém. Sabes, não tenho muito jeito para este tipo de coisas do género Último Tango em Paris. Faz-me o favor de não ficares aí a minar a minha tristeza. Se fujo para longe, é para ficar longe de mim e de ti.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Massacre
A massacre is happening
In this nation of Utopia
Where the Prime Minister catches a cold
The masses have to sneeze to follow
Martial law is declared and enforced
The aging toothless state machine is rolling over
Those who dare to resist and refuse to sneeze
Fallen by the thousands are the barehanded and unarmed
Armored assassins are swimming in blood
Setting fire to houses with windows and doors locked
Polish your military boots with the skirt of a slain girl
Boot owners don’t even tremble
Robots without hearts never tremble
Their brain is programmed with one process
A flawed command
Represent the nation to dismember the constitution
Represent the constitution to slaughter justice
Represent the mothers to suffocate the children
Represent children to sodomize the fathers
Represent the wives to murder the husbands
Represent the citizens to bomb the city
Open fire, open fire, open fire
Shoot women, students and children
Shoot workers, teachers and venders
Riddle them with bullets
Aiming at those angry faces, shocking faces, contorted faces, despondent faces and tranquil faces
Shoot with abandon
The fleeting beauty of those faces moving toward you like tidal waves
The eternal beauty of those faces heading toward heaven and hell
The beauty of turning humans into beasts
The beauty of seducing, raping and trampling on your fellow citizens
Eliminate beauty
Wipe out the flowers, forest, school campuses, love, and the pure air
Shoot, shoot and shoot…
I feel good and I feel high
Blow up that head
Burn up the hair and the skin
Let the brain erupt
Let the soul gush out
Splash on the bridge, the fence and the street
Splash toward the sky
Blood turned into stars and stars are running
Heaven and earth have turned upside down
Shiny helmets are like stars
Troops are running out of the moon
Shoot, Shoot, Shoot
Humans and stars are falling and running
Indistinguishable, which are humans and which are stars
Troops followed them into the cloud, into cracks on the ground…
We live under bright sunlight
But we have lost our eyesight
We find ourselves on a street, so wide
But no one can take a stride
We stand in a crowd, supposed to be loud
But people open their mouth without sound
We are tortured with thirst
But everyone refuses water.
This unprecedented massacre
Survivors are those bastards.
(Liao Yiwu, "Massacre")
Às vezes, acho que vou ter problemas sérios na China.
Em todo o caso, recomenda-se a leitura deste artigo, deste, deste ensaio, desta entrevista peculiar, e deste artigo sobre o Charter 08. O poema veio daqui.
Reunion
This is my past where no one knows me.
These are my friends whom I can’t name—
Here in a field where no one chose me,
The faces older, the voices the same.
Why does this stranger rise to greet me?
What is the joke that makes him smile,
As he calls the children together to meet me,
Bringing them forward in single file?
I nod pretending to recognize them,
Not knowing exactly what I should say.
Why does my presence seem to surprise them?
Who is the woman who turns away?
Is this my home or an illusion?
The bread on the table smells achingly real.
Must I at last solve my confusion,
Or is confusion all I can feel?
These are my friends whom I can’t name—
Here in a field where no one chose me,
The faces older, the voices the same.
Why does this stranger rise to greet me?
What is the joke that makes him smile,
As he calls the children together to meet me,
Bringing them forward in single file?
I nod pretending to recognize them,
Not knowing exactly what I should say.
Why does my presence seem to surprise them?
Who is the woman who turns away?
Is this my home or an illusion?
The bread on the table smells achingly real.
Must I at last solve my confusion,
Or is confusion all I can feel?
("Reunion", Dana Gioia)
O meu pai diz que Xavier é um bom nome para gato, tanto que chama Xavier ao Francisco. É só para dizer que discordo, não obstante, serve de sugestão.
O meu pai diz que Xavier é um bom nome para gato, tanto que chama Xavier ao Francisco. É só para dizer que discordo, não obstante, serve de sugestão.
The Lady from Shanghai
- You are aiming at me, aren't you? I'm aiming at you, lover.
Of course, killing you is killing myself. It's the same thing. But you know, I'm pretty tired of both of us.
(Para o caro visitante que aqui chegou com as palavras You are aiming at me, aren't you? I'm aiming at you, lover.)
(Para o que cá chegou na esperança de arranjar um nome para o seu gato castanho e branco. Meu caro, lamento, mas não dou nomes aos gatos, muito menos os brancos. De resto, tenho um gato grande e gordo, chamado Francisco, coisa de gente, sabe? Se bem que, às vezes apetecia-me sentir menos gente e mais gato, logo, sem nome.)
É só, bom domingo.
68
- Fiz isso - diz a minha memória. - Não posso ter feito isso - diz o meu orgulho, e mantém-se irredutível. Por fim - a minha memória cede.
(Nietzche, Além do Bem e do Mal)
(Nietzche, Além do Bem e do Mal)
sábado, 13 de agosto de 2011
Come to this wall, and see.
for Peter Viereck
This is the house destroyed by Jack.
This is the spot where the rumpled buck
stops, and where Hans gets killed.
This is the wall that Ivan built.
This is the wall that Ivan built.
Yet trying to quell his sense of guilt,
he built it with modest light-gray concrete,
and the booby-traps look discreet.
Under this wall that a) bores, b) scares
barbed wire meshes lie flat like skeins
of your granny’s darnings (her chair still rocks!)
But the voltage’s too high for socks.
Beyond this wall throbs a local flag
against whose yellow, red, and black
Compass and Hammer proclaim the true
masonic dream came through.
The Vopos patiently in their nest
through binoculars scan the West
and the East; and they like both views
apparently devoid of Jews.
Those who are seen here, thought of, felt,
were driven away by the sense of Geld
or by a stronger Marxist urge.
The wall won’t let them merge.
Come to this wall if you hate your place
and face a sample of cosmic space
where no life-forms can exist at all
and objects only fall.
Come to this scornful of peace and war
petrified version of either/or
meandering through these bleak parts which act
like a mirror that’s cracked.
Sad is the day here. In the night
searchlights illuminate the blight
making sure that if someone screams,
it’s not due to bad dreams.
For dreams here aren’t bad: just wet with blood
of one of your likes who left his pad
to ramble here; and in his head
dreams are replaced by lead.
Given that, it’s only Time
who has guts enough to commit the crime
of passing this place back and forth on foot:
at pendulums they don’t shoot.
That’s why this site will see many moons
while couples lie in their beds like spoons,
while the rich are wondering what they wish
and single girls eat fish.
Come to this wall that beats other walls:
Roman, Chinese, whose worn-down, false
molars envy steel fangs that flash
scrubbed of thy neighbor’s flesh.
A bird may twitter a better song.
But should you consider abortion wrong
(or that the quacks ask too high a fee),
Come to this wall, and see.
(Joseph Brodsky, "The Berlin Wall Tune", aqui)
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Father Death Blues
Hey poor man, you're all alone
Hey old daddy, I know where I'm going
Father Death, Don't cry any more
Mama's there, underneath the floor
Brother Death, please mind the store
Old Aunty Death Don't hide your bones
Old Uncle Death I hear your groans
O Sister Death how sweet your moans
O Children Deaths go breathe your breaths
Sobbing breasts'll ease your Deaths
Pain is gone, tears take the rest
Genius Death your art is done
Lover Death your body's gone
Father Death I'm coming home
Guru Death your words are true
Teacher Death I do thank you
For inspiring me to sing this Blues
Buddha Death, I wake with you
Dharma Death, your mind is new
Sangha Death, we'll work it through
Suffering is what was born
Ignorance made me forlorn
Tearful truths I cannot scorn
Father Breath once more farewell
Birth you gave was no thing ill
My heart is still, as time will tell.
July 8, 1976
(Allen Ginsberg, o video é um excerto do filme Howl, entrevista à BBC para ver aqui)
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Qui es-tu?
ELLE
... Je te rencontre.
Je me souviens de toi.
Qui es-tu?
Tu me tues.
Tu me fais du bien.
Comment me serais-je doutée que cette ville était faite à la taille de l'amour?
Comment me serais-je doutée que tu étais fait à la taille de mon corps même?
Tu me plais. Que événement. Tu me plais.
Quelle lenteur tout à coup.
Quelle douceur.
Tu ne peux pas savoir.
Tu me tues.
Tu me fais du bien.
Tu me tues.
Tu me fais du bien.
J'ai le temps.
Je t'en prie.
Dévore-moi.
Déforme-moi jusqu'à la laideur.
Pourquoi pas toi?
Pourquoi pas toi dans cette ville et dans cette nuit pareille aux autres au point de s'y méprendre?
Je t'en prie...
(Marguerite Duras, Hiroshima mon amour)
Dante a despedir-se
1. il temporal foco e l'eterno
veduto hai, figlio, e sei venuti in parte
dov'io per me più oltre non discerno.
2. Son, the temporal fire and the eternal, hast
thou seen, and art come to place where I,
of myself, discern no further.
3. [Filho, viste o fogo temporal e o fogo eterno, e chegaste a um lugar onde eu, por mim próprio, mais não distingo. (Purgatório, XXVII. 127-129).]
(T.S. Eliot, "O que é um clássico?", Ensaios Escolhidos)
terça-feira, 9 de agosto de 2011
Autografia, 88 anos e o início de tudo
sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra
o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra
o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!
(Mário Cesariny, "Autografia", Pena Capital)
Mestre três vezes, amado três vezes. Gostava de ter palavras para lhe dar, de lhe dizer que me deu nome. Mas pareço sempre tonta quando falo do poeta. Quando lhe falo do capitulo da devolução, da tristeza e dos poemas que sei de cor. Os amores não se dizem, existem. Por isso, ninguém melhor para o dizer do que o seu próprio poema.
Cesariny
A 10.000 metros de profundidade
o rosto deambulador
do soldado
que não quis morrer
grita o seu radioso segredo:
Abre as portas do teu coração
é tão fácil perder
o homem das águias
que nunca mudam
Ele
em verdade
está só
e nunca
foi ouvido
(Mário Cesariny, "II", Pena Capital)
Parabéns, Sr. Poeta.
The Day Lady Died
It is 12:20 in New York a Friday
three days after Bastille day, yes
it is 1959 and I go get a shoeshine
because I will get off the 4:19 in Easthampton
at 7:15 and then go straight to dinner
and I don’t know the people who will feed me
I walk up the muggy street beginning to sun
and have a hamburger and a malted and buy
an ugly NEW WORLD WRITING to see what the poets
in Ghana are doing these days
I go on to the bank
and Miss Stillwagon (first name Linda I once heard)
doesn’t even look up my balance for once in her life
and in the GOLDEN GRIFFIN I get a little Verlaine
for Patsy with drawings by Bonnard although I do
think of Hesiod, trans. Richmond Lattimore or
Brendan Behan’s new play or Le Balcon or Les Nègres
of Genet, but I don’t, I stick with Verlaine
after practically going to sleep with quandariness
and for Mike I just stroll into the PARK LANE
Liquor Store and ask for a bottle of Strega and
then I go back where I came from to 6th Avenue
and the tobacconist in the Ziegfeld Theatre and
casually ask for a carton of Gauloises and a carton
of Picayunes, and a NEW YORK POST with her face on it
and I am sweating a lot by now and thinking of
leaning on the john door in the 5 SPOT
while she whispered a song along the keyboard
to Mal Waldron and everyone and I stopped breathing
three days after Bastille day, yes
it is 1959 and I go get a shoeshine
because I will get off the 4:19 in Easthampton
at 7:15 and then go straight to dinner
and I don’t know the people who will feed me
I walk up the muggy street beginning to sun
and have a hamburger and a malted and buy
an ugly NEW WORLD WRITING to see what the poets
in Ghana are doing these days
I go on to the bank
and Miss Stillwagon (first name Linda I once heard)
doesn’t even look up my balance for once in her life
and in the GOLDEN GRIFFIN I get a little Verlaine
for Patsy with drawings by Bonnard although I do
think of Hesiod, trans. Richmond Lattimore or
Brendan Behan’s new play or Le Balcon or Les Nègres
of Genet, but I don’t, I stick with Verlaine
after practically going to sleep with quandariness
and for Mike I just stroll into the PARK LANE
Liquor Store and ask for a bottle of Strega and
then I go back where I came from to 6th Avenue
and the tobacconist in the Ziegfeld Theatre and
casually ask for a carton of Gauloises and a carton
of Picayunes, and a NEW YORK POST with her face on it
and I am sweating a lot by now and thinking of
leaning on the john door in the 5 SPOT
while she whispered a song along the keyboard
to Mal Waldron and everyone and I stopped breathing
(Frank O’Hara, “The Day Lady Died”, from Lunch Poems )
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
se algum dia me olvidares
Recorda-te de mim quando eu embora
for para o chão silente e desolado;
quando não te tiver mais ao meu lado
e sombra vá chorar por quem me chora.
Quando não mais puderes, hora a hora,
falar-me no futuro que hás sonhado,
ah! de mim te recorda e do passado,
delícia do presente por agora.
No entanto, se algum dia me olvidares
e depois te lembrares novamente,
não chores: que, se em meio aos meus pesares,
um resto houver do afeto que em mim viste,
- melhor é me esqueceres, mas contente,
que me lembrares e ficares triste.
for para o chão silente e desolado;
quando não te tiver mais ao meu lado
e sombra vá chorar por quem me chora.
Quando não mais puderes, hora a hora,
falar-me no futuro que hás sonhado,
ah! de mim te recorda e do passado,
delícia do presente por agora.
No entanto, se algum dia me olvidares
e depois te lembrares novamente,
não chores: que, se em meio aos meus pesares,
um resto houver do afeto que em mim viste,
- melhor é me esqueceres, mas contente,
que me lembrares e ficares triste.
(Christina Rossetti, Remember, Manuel Bandeira (trad.))
domingo, 7 de agosto de 2011
?
Or was it the hand of fate that seemed to fit just like a glove?
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
sexta-feira, 29 de julho de 2011
de profundis amamus
(...)
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
(Mário Cesariny, Pena Capital)
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
(Mário Cesariny, Pena Capital)
quinta-feira, 28 de julho de 2011
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