terça-feira, 15 de março de 2011

V

Eu ando a rondar por aqui... agora. (Um tempo.) Ou antes chego e pespego-me. ( Um tempo.) Ao cair da noite. (Um tempo.) Ela julga-se só. (Um tempo.) Vejam como fica imóvel, de cara para a parede. Aquela fixação! Aquela impassibilidade aparente! (Um tempo.) Ela não voltou a sair desde a juventude. (Um tempo.) Não voltou a sair desde a juventude! (Um tempo.) Onde está ela, podemos perguntar. (Um tempo.) Mas na velha casa, a mesma onde ela começou. (Um tempo.) Onde isso começou. (Um tempo.) Isso tudo começou. (Um tempo.) Mas isto, quando começou isto? (Um tempo.) No tempo em que as outras raparigas da sua idade andavam lá fora, a jogar à...aquele jogo do céu e do inferno, já ela estava aqui. Já começava nisto. (Um tempo.)  O chão neste sítio, agora raso, dantes era ( E avança. Passos um pouco mais lentos. Quatro percursos. Com o primeiro percurso.) Mas admiremos a sua postura silenciosa. (Fim do primeiro percurso.) Que elegância na meia volta! (Com o terceiro percurso, síncrono com os passos.) Sete oito nove e up! (E pára de frente à direita.) Dizia eu que o chão neste sítio, agora raso, antes esteve sob um tapete, um tapete espesso. Até ao dia em que, ou antes à noite, até à noite em que, mal saída da infância, chamou a mãe e disse-lhe, mãe, isto não chega. A mãe: não chega? Ema, seu nome de baptismo - Ema: não chega. A mãe: O que queres dizer, Ema, não chega, vejamos, o que podes queres dizer, Ema, não chega? Ema: Quero dizer, mãe, que falta o bater dos passos, por mais fraco que seja. A mãe: O movimento só não chega? Ema: Não mãe, o movimento só por si não chega, falta-me o bater dos passos por mais fraco que seja. (Um tempo. E avança. Seis percursos. Com o segundo percurso.) Será que dorme, perguntar-se-á. (Com o terceiro percurso.) Sim, noites há em que dormita um pouco, encosta a cabecinha na parede e dormita. (Com o quarto percurso.) Ainda fala? Sim, noites há, quando julga que ninguém a ouve. (Com o quinto percurso.) Conta como foi, tenta contar como foi. Isso tudo. (Inínicio do sexto percurso.) Isso tudo. 

(Samuel Beckett, Aquela Vez e Outros Textos, Luís Miguel Cintra e Diogo Dória (trad.))




V
(Com o terceiro percurso.)
Nunca vais parar?
(Com o quarto percurso.)
Nunca vais parar de remexer isso tudo?

E
(Pára de frente à esquerda.)
Isso?

V
Isso tudo. (Um tempo) Na tua cabecinha. (Um tempo.) Isso tudo. (Um tempo.) Isso tudo. (Um tempo. E recomeça a andar...)



(Samuel Beckett, Aquela Vez e Outros Textos, Luís Miguel Cintra e Diogo Dória (trad.))

segunda-feira, 14 de março de 2011

Agora a minha solidão vê-se melhor

Apanhei o cabelo
em rabo de cavalo
agora a minha solidão
vê-se melhor
vê-se tão bem
como a minha face

E a minha face
é desassombrada
as sombras
não são minhas.


(Adília Lopes)


sábado, 12 de março de 2011

I’m pretty tired of both of us


You’d be foolish to fire that gun. With these mirrors, it’s difficult to tell - you are aiming at me, aren’t you? I’m aiming at you, lover. Of course, killing you is killing myself. It’s the same thing. But you know, I’m pretty tired of both of us.


(Rita Hayworth & Everett Sloane in The Lady from Shanghai, (dir. Orson Welles, 1947))

Dentro do espelho

(...)

E por fim viste-te a ti própria como um fruto,
despojaste-te dos teus vestidos, levaste-te
para diante do espelho, deixaste-te entrar
até ao teu olhar; isto ficou grande, à tua frente,
e não dizia: isto sou eu; não, antes: isto é.


(...)


(Rainer Maria Rilke, Requiem por uma Amiga, Maria Teresa Dias Furtado (trad.))

Que pedes?

(...)

E poderei eu dizer que tu apenas condescendes,
que por magnanimidade voltas, por excesso,
por estares tão segura, tão em ti própria,
que te moves como uma criança, sem medo
de lugares onde se faça mal a alguém - :
mas não: tu pedes. Isso penetra-me
até aos ossos e atravessa-me como uma serra.
Uma censura, de que tu fosses como um fantasma portadora,
a mim dirigida, quando de noite me recolho
nos pulmões, nas entranhas,
na última e paupérrima câmara do meu coração, -
semelhante censura não seria tão cruel
como é o teu pedir. Que pedes?

(...)


(Rainer Maria Rilke, Requiem por uma Amiga, Maria Teresa Dias Furtado (trad.))

terça-feira, 8 de março de 2011

Elm

for Ruth Fainlight

I know the bottom, she says. I know it with my great tap root:
Is is what you fear.
I do not fear it: I have been there.

Is is the you hear in me,
Its dissatisfactions?
Or the voice of nothing, that was your madness?

Love is a shadow.
How you lie and cry after it
Listen: these are its hooves: it has gone off, like a horse.

All night I shall gallop thus, impetuously,
Till your head is a stone, your pillow a little turf,
Echoing, echoing.

Or shall I bring you the sound of poisons?
This is rain now, this big hush.
And this is the fruit of it: tin-white, like arsenic.

I have suffered the atrocity of sunsets.
Scorched to the root
My red filaments burn and stand, a hand of wires.

Now I break up in pieces that fly about like clubs.
A wind of such violence
Will tolerate no bystanding: I must shriek.

The moon, also, is merciless: she would drag me
Cruelly, being barren.
Her radiance scathes me. Or perhaps I have caugh her.

I let her go. I let her go
Diminished and flat, as after radical surgery.
How your bad dreams possess and endow me.

I am inhabited by a cry.
Nightly it flaps out
Looking, with it hooks, for something to love.

I am terrified by this dark thing
That sleeps in me;
All day I feel its soft, feathery turnings, its malignity.

Clouds pass and disperse.
Are those the faces of love, those pale irretrievables?
Its it for such I agitate my heart?

I am incapable of more knowledge.
What is this, this face
So murderous in this strangle of branches? -

Its snaky acids kiss.
Is petrifies the will. These are the isolate, slow faults
That kill, that kill, that kill.


(Sylvia Plath, Selected Poems)

domingo, 6 de março de 2011

Exclamação




Que alguém saiba que és um homem

Homo Sapiens

dum lado da jaula
os que vêem
do outro
os que são vistos

e vice-versa



(Alberto Pimenta, IV de Ouros)

Amnésia programada

Gosto de música e, de música. Tenho 21 anos e também tenho umas obsessão palerma por cavalos. Não leio e o Call Girl é o meu filme português favorito, porque é com a Soraia Chaves, sabes, aquela....


É isso. Era escusado, bem sei, mas é preciso perceber que perdi tempo a ler a Ípsilon para isto.

sábado, 5 de março de 2011

Too proud to cry

Too proud to die, broken and blind he died
The darkest way, and did not turn away,
A cold kind man brave in his narrow pride

On that darkest day. Oh, forever may
He lightly, at last, on the last, crossed
Hill, under the grass, in love, and there grow

Young among the long flocks, and never lie lost
Or still all the numberless days of his death, though
Above all he longed for his mother's breast

Which was rest and dust, and in the kind ground
The darkest justice of death, blind and unblessed.
Let him finf no rest but be fathered and found,

I prayed in the crouching room, by his blind bed,
In the muted house, one minute before
Noon, and night, and light. The rivers of the dead

Veined his poor hand I held, and I saw
Through his unseeing eyes to the roots of the sea.
[An old tormented man three-quarters blind,

I am not proud to cry that He and he
Will never never go out of my mind.
All his bones crying, and poor in all but pain,

Being innocent, he dreaded that he died
Hating his God, but what he was plain:
An old kind man brave in his burning pride.

The sticks of the house were his; his books he owned.
Even as a baby he had never cried;
Nor did he now, save to his secret wound.

Out of his eyes I saw the last light glide.
Here among the light of the lording sky
An old man is with me where I go

Walking in the meadows of his son's eye
On whom a world of ills came down like snow,
He cried as he died, fearing at leat the spheres'

Last sound, the world going out without a breath:
Too proud to cry, too frail to check the tears,
And caught between two nights, blindness and death.

O deepest wound of all that he should die
On that darkest day. Oh, he could hide
The tears out of his eyes, too proud to cry.

Until I die he will not leave my side.]



(Dylan Thomas, Elegy, Selected Poems)

Half convention and half lie

I have longed to move away
From the hissing of the spent lie
And the old terrors' continual cry
Growing more terrible as the day
Goes over the hill into the deep sea;
I have longed to move away
From the repetition of salutes,
For there are ghosts in the air
And ghostly echoes on paper,
And the thunder of calls and notes.

I have longed to move away but am afraid;
Some life, yet unspent, migh explode
Out of the old lie burning on the ground,
And, crackling into the air, leave me half-blind.
Neither by night's ancient fear,
The parting of hat from hair,
Pursed lips at the receiver,
Shall I fall to death's feather.
By these I would not care to die,
Half convention and half lie.



(Dylan Thomas, I have longed to move away, Selected Poems)

quarta-feira, 2 de março de 2011

Mirror

I am silver and exact. I have no preconceptions.
Whatever I see I swallow immediately
Just as it is, unmisted by love or dislike.
I am not cruel, only truthful -
The eye of a little god, four-cornered.
Most of the time E meditate on the opposite wall.
Is is pink, with speckles. E have looked at it so long
I think it is a part of my heart. But it flickers.
Faces and darkness separate us over and over.

Now I am a lake. A woman bends over me,
Seaching my reaches for what she really is.
Then she turns to those liars, the candles or the moon.
I see her back, and reflect it faithfully.
She rewards me with tears and an agitation of hands.
I am important to her. She comes and goes.
Eash morning it is her face that replaces the darkness.
In me she has drowned a young girl, and in me an old woman
Rises toward her day after day, like a terrible fish.


(Sylvia Plath, Selected Poems)


De regresso à poetisa, cansada.