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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Da Adília

Amar uma pedra, um cão, uma osga, uma barata.
Amar uma pessoa que não gosta de nós.
Amar uma pessoa de quem não gostamos.
O amor é mais difícil que a mecânica quântica.
Fernando Pessoa, num poema em que caridade rima
com electricidade, diz que não tem caridade.

Às vezes, aquilo a que chamamos amor não é amor:
- é exigir amor em troca
- é dar para que dês

Amar alguém é confiar nessa pessoa, não estar de pé atrás, acreditar nessa pessoa. Gostamos pouco uns dos outros, disse Tonino Guerra.
Querer amar e ser amado, dizia Jorge Luis Borges, é muito ambicioso, não é humilde.
Acho que devemos pedir só para amar.
É fácil amar quando a vida nos corre bem.
Quando a vida nos corre mal, insultamos o mundo e, às vezes, insultamos Deus. Acreditar então nas coisas mais queridas, mais pequeninas:
- as medalhinhas do nosso Baptismo, que entretanto foram roubadas, se perderam.
- a imagem de Nossa Senhora de Fátima comprada na loja dos 300.
- dois versos de uma oração de que esquecemos o resto.

Às vezes, a vida corre-nos muito bem e esquecemo-nos da compaixão. A compaixão é o amor. Só a compaixão salva. Só a compaixão é eterna.
O sofrimento nem sempre se vê. E o sucesso, como o desespero, pode cegar.

Às vezes, temos grandes amigos e não sabemos. A padeira do nosso bairro, o vizinho do nosso prédio. Anos e anos a dizer:”Bom-dia! Boa-tarde!", mais nada, e essas palavras bastaram.

O amor nem precisa de palavras. Mas as palavras sabem bem.

(Adília Lopes, surripiado por aí)

É por isso, meu caro, que não há amor. Porque se não me deixas dar-te palavras e não tens palavras para me dar, é igual a nada.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Bela acordada

Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia como era bonita. Quando era bonita, as pessoas diziam-lhe: -Eu amo-te. E iam com ela para a cama e para a mesa. Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
-Não gosto de ti. E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça. A mulher pediu a Deus: -Faz-me ou bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre. Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais gostavam dela, tanto quando era bonita como quando era feia, como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço, estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a mastigar. Logo a seguir passou pelo poço o criado do rei, que pescou o peixe.Na cozinha do palácio as criadas, a arranjarem o peixe, descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era tão feia que não era feia. Por isso quando os criados foram chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei apaixonou-se pela mulher.
-Será uma sereia?- perguntaram em coro as criadas ao rei. -Não, não é uma sereia porque tem as duas pernas, muito tortas, uma mais curta que a outra. - respondeu o rei às criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar. Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas foram embora: - Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei: - Eu amo-te. Depois comeu a azeitona. E casaram logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar.

(Adília Lopes, Caras Baratas)

segunda-feira, 14 de março de 2011

Agora a minha solidão vê-se melhor

Apanhei o cabelo
em rabo de cavalo
agora a minha solidão
vê-se melhor
vê-se tão bem
como a minha face

E a minha face
é desassombrada
as sombras
não são minhas.


(Adília Lopes)


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

123 - 4

4

Adília
memorabilia

Combray
Penamacor

Cortam-me
ou esticam-me
braços
e pernas
conforme
a cama
(a cama
é a medida)

A medida porém
é a Senhora da Aparecida

Também eu
fui Procrustes
tive
duas camas
os outros as outras
nunca
estavam
certos

Errei (pequei)
estou arrependida
(antes não fodida
que mal fodida)


(Adília Lopes, A Selva)


Paguei 20 euros e 50 cêntimos de multa na biblioteca. - E porquê? Confundi a data de entrega de 6 livros. É caso para estar estupidamente aborrecida comigo e ainda mais com estas pessoas que deviam cobrar multas  a quem não  lê.


Bof!

domingo, 2 de janeiro de 2011

Adília

1

Adília
chora
como
uma Madalena

                                                                                           2

                                                                                           Adília
                                                                                           lê
                                                                                           treslê
                                                                                           a Bíblia

3

Adília
a idiota
da família
afoga-se
em chá de tília



(Adília Lopes, A Selva)

domingo, 26 de dezembro de 2010

Bonjour mademoiselle



Em 81 disse à Dr.ª Manuela Brazette, psiquiatra, "Eu sou feia". Ela disse-me " Não é ser feia. Não há pessoas feias. Não tem é atractivos sexuais". Lembrei-me então do homem que em 74, tinha eu 14 anos, se cruzou comigo no Arco do Cego. Lembrei-me muito bem do que ele me tinha dito ao passar por mim. Tinha-me dito " Lambia-te esse peitinho todo". Lembrei-me também da meia dúzia de outros homens que durante a minha adolescência me tinha dito quando eu passava " Coisinha boa" e "Borrachinho". Ainda hoje me sinto profundamente agradecida a esses homens. Pensei que eles estavam a avacalhar, que eram uns porcalhões. Mas quem estava a avacalhar era a Dr.ª Manuela Brazette, ela é que é uma porcalhona. Acho que um homem nunca consegue ser mau para uma mulher como outra mulher.


(Adília Lopes, Caras Baratas)



Avacalhar é qualquer coisa de fascinante. Uma mulher chamar porcalhona a outra nem se fala. 

E é Domingo. 
Bof.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dilema nocturno #3


Mesmo
uma linha
recta
é o labirinto
porque
entre
cada dois pontos
está o infinito

(Adília Lopes, Caras Baratas)

Querida Adília, obrigada por complicares. Sabes que sou feliz porque sou inteligente, portanto, não há problema.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sobre o rapaz raro




Preciso que
me reconheçam
que me digam Olá
e Bom dia
mais que de espelhos
preciso dos outros
para saber
que eu sou eu


( Adília Lopes, Caras Baratas)


E afinal eu era cândida, por achar que isto me definia, por achar que tu eras o rapaz raro e estranho. E disse-te "não que um poema defina quem quer que seja". Não me ouviste. Gostaste mais das minhas palavras do que de mim.
Fui Pateta, patética, peripatética e acordei mais melancólica que fleumática. Já não és raro, és estranho.