sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Édipo cego

MENSAGEIRO

Em breves palavras to digo e o saberás: morreu a nobre Jocasta.

CORO

Infeliz rainha! Qual foi a causa?

MENSAGEIRO

Ela, por suas mãos. Mas, dos factos, o mais doloroso escapa-te; é que tu não presenciaste esses horrores. No entanto, no que a memória me assistir, far-te-ei conhecer os sofrimentos daquela desventurada.
Pois quando ela, desesperada, atravessou o vestíbulo, caminhou a direito para o leito nupcial. E arrancava os cabelos com ambas as mãos; as portas, ao entrar, fecha-as nas suas costas com violência. Chama por Laio já de há muito falecido, recorda o filho que tivera outrora, às mãos de quem morreu e que a ela deixou como genitora da raça maldita de seus próprios filhos. E gemia, a desgraçada, pelo tálamo, onde concebera uma dupla geração, um esposo de outro esposo e filhos de seus filhos. Como, depois disto, ela morreu, não sei. De súbito, bradando, irrompeu Édipo; por isso não foi possível presenciar toda a desgraça da rainha - antes seguíamos com os olhos os seus passos. Corre então de um para o outro, pedindo que alguém lhe desse uma espada, perguntando onde poderia encontrar a esposa que não era esposa, o seio duas vezes materno: para si mesmo e para seus filhos. Desvairado, uma divindade lho indica; não foi nenhum dos homens, dos que estávamos nas proximidades. E num terrível grito, como que guiado por alguém, contra os dois batentes se lançou. Do seu encaixe faz ceder os ferrolhos encurvados e lança-se na alcova. Vemos, então, a esposa suspensa do nó corredio de uma corda que a estrangula. Ele, então, assim que a vê, lança um brando aflitivo, o infeliz, e desce-a da corda suspensa. E quando em terra a depõe o desgraçado, terrível foi de ver o que então sucedeu. É que, depois de arrancar das vestes dela as fíbulas de ouro com que se ornava, ergue-as ao alto e fere com elas os seus olhos, soltando clamores como estes: que assim não iriam contemplar nem os males que sofrera nem aqueles que causara e que as trevas doravante os impediam de ver quem não deviam e de conhecer quem desejavam.
Tais palavras clamando, sem cessar - e não apenas uma vez - com as fíbulas dilacerava os olhos. A cada golpe, o sangue das suas pupilas banhava-lhe o queixo - não em lágrimas gotejantes, mas escorrendo em negra chuva de granizo sangrento.
Estes infortúnios tiveram uma origem dupla - não foi apenas um que os provocou; são males comuns ao marido e à mulher.
A antiga prosperidade de outrora era então verdadeira prosperidade. Agora, neste dia, é gemido, ruína, morte, opróbrio: de quantos nomes a desgraça tiver, nenhum está ausente.


(Sófocles, Rei Édipo, Maria do Céu Zambujo Fialho (trad.))

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