«O mais curioso é, talvez, que muitas das crises emocionais da infância ou da adolescência de Mishima têm origem numa dessas imagens de livros ou de filmes ocidentais a que foi exposto o jovem japonês nascido em Tóquio em 1925. O rapazinho que repudiou uma bela imagem do seu livro ilustrado, porque a criada lhe explicou que se tratava, não de um cavaleiro como ele pensava, mas de uma mulher chamada Joana d'Arc e sentiu esse engano como um logro que o ofendia na sua pueril masculinidade. E, neste caso, o mais interessante para nós é que tenha sido Joana d'Arc quem lhe inspirou esta reacção e não uma das numerosas heroínas do Kabuki disfarçadas de homem. Em contrapartida, na famosa cena da primeira ejaculação diante de uma fotografia de São Sebastião de Guido Reni, compreende-se tanto melhor a sua excitação pela pintura barroca italiana quanto a arte japonesa, nem sequer nas suas gravuras eróticas conheceu, como a nossa, a glorificação do nu. Nenhuma imagem de samurai oferecido à morte lhe poderia dar a mesma impressão desse corpo musculado mas exausto, prostrado no abandono quase voluptuoso da morte (os heróis do antigo Japão amavam e morriam envoltos na carapaça de seda e aço).»
(Marguerite Yourcenar, Mishima ou a visão do vazio, surripiado d'O café dos loucos)
Não se esquecem as lágrimas de Maria Falconetti. E é-me impossível não lembrar Mishima. E, agora, junta-se-lhes Marguerite Yourcenar.
Isto para concluir que o dia foi um caos, que estou cansada e que não me apetece dormir. E acho que é desnecessário referir que as imagens são do La Passion de Jeanne d'Arc, que por sua vez foi realizado por Carl Theodor Dreyer e que data de 1928.
Desnecessário, como havia dito.
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