A arte moderna é - na medida em que vale qualquer coisa - um regresso à infância. O seu tema eterno é a descoberta das coisas, descoberta que apenas pode acontecer, na sua forma mais pura, na recordação da infância. Isto é o efeito da all-pervading consciência do artista moderno (historicismo, noção da arte como actividade auto-suficiente, individualismo), que o faz viver, a partir dos dezasseis anos, num estado de tensão - quer dizer, num estado que não é próprio à absorção, que não é ingénuo. Em arte, só se exprime bem aquilo que foi absorvido ingenuamente. Só resta os artistas fazerem meia-volta e inspirarem-se na época em que ainda eram artistas, ou seja, a infância.
26 de Fevereiro.
A grande arte moderna é sempre irónica, tal como a antiga era religiosa. Assim como o sentimento do sagrado radicava as imagens para além do mundo da realidade, dando-lhes um fundo e antecedentes prenhes de significado, a ironia descobre nas imagens e sob elas um vasto campo de jogo intelectual, uma vibrante atmosfera de hábitos imagísticos e raciocinantes, que transformam as coisas representadas em símbolo de uma realidade mais significativa. Para ironizar não é necessário brincar (assim como para sagrar não é necessário recorrer à liturgia), basta construir as imagens segundo uma norma que as supere ou domine.
(Cesare Pavese, O Ofício de Viver)
Sem comentários:
Enviar um comentário